DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O anunciado “fim da Era Lula” é fruto de uma confusão semântica entre época e mandato. Uma fase não se estabelece por decreto e antecipação, depende dos fatos que a marcaram e demarcaram. Os desdobramentos dos dois últimos governos ainda estão em curso, a história está sendo escrita, a Era Lula ainda não pode ser periodizada nem qualificada, é uma hipótese. Ou desejo.
A mesma pressa classificatória assume proporções delirantes nas avaliações sobre os efeitos do Tsunami WikiLeaks, o megavazamento de informes confidenciais do Departamento de Estado dos EUA pelo site da ONG criada pelo ciberativista australiano Julian Assange.
É assombroso o número de documentos secretos obtidos e divulgados pelo WikiLeaks (cerca de 250 mil), mas o derrame ainda não completou um mês, as peças que vieram a público continuam dispersas, fragmentadas, incompletas, muitas delas irrelevantes, meras curiosidades superadas pelo tempo. Prematuro, insensato e enganoso proclamar o início da Era da Transparência ou o fim do sistema tomando por base a badalação obtida pelas primeiras revelações do WikiLeaks.
A transparência prometida por Assange e sua legião de seguidores só conseguirá consumar-se no âmbito das relações diretas entre governantes de governados. O cidadão do mundo é um ideal a ser perseguido que só poderá efetivar-se quando houver um governo mundial.
A “revolução” produzida pelo WikiLeaks pode ser ilustrada e dimensionada através do informe divulgado nesta semana sobre as dramáticas decisões em seguida à hemorragia intestinal sofrida por Fidel Castro em meados de 2006. Segundo o documento americano, o dirigente cubano recusou a colostomia que o obrigaria a usar por tempo indeterminado uma bolsa externa para a coleta das fezes. O documento não revela que, posteriormente, Fidel resignou-se e hoje, passados quatro anos, recuperado, está livre do acessório cirúrgico e das roupas tipo jogging que usava para disfarçá-lo.
Este tipo de documento-bomba vai, porventura, revolucionar as relações internacionais ou alterar a secular comunicação entre as embaixadas no exterior e as chancelarias como alguns futuristas apregoam? Disparate, coisa de profeta desempregado.
A estratégia adotada pelo WikiLeaks para desovar seu explosivo arsenal de informes secretos segue uma estratégia puramente promocional, de modo a ampliar o “mercado” de veículos jornalísticos dispostos a ecoar pelo mundo afora seu esmerado sistema de vazamentos. Legítimo: a economia de mercado pressupõe o oferecimento contínuo de produtos nem sempre os mais necessários.
Imperioso reconhecer que o ativista Assange soube aproveitar com inteligência todas as facilidades do “sistema” que pretende destruir e atingiu seus objetivos num prazo recorde. A extraordinária notoriedade resulta, sobretudo, da onipotência americana que insiste em tratá-lo como um Bin Laden cibernético e oferece-lhe um upgrade que levará tempo para ser desfeito.
O que importa neste momento é gozar o espetáculo, mas evitar as tentações da história instantânea. E a etiquetagem definitiva. O processo de aferições nunca é óbvio e retilíneo, as surpresas são inevitáveis. O imponderável ainda conta em meio ao determinismo tecnológico.
Para saciar a sede de novidades, trepidação e modismos melhor degustar uma dieta rica em moderação. Dá mais prazer do que sorvê-la e logo esquecer.
» Alberto Dines é jornalista
O anunciado “fim da Era Lula” é fruto de uma confusão semântica entre época e mandato. Uma fase não se estabelece por decreto e antecipação, depende dos fatos que a marcaram e demarcaram. Os desdobramentos dos dois últimos governos ainda estão em curso, a história está sendo escrita, a Era Lula ainda não pode ser periodizada nem qualificada, é uma hipótese. Ou desejo.
A mesma pressa classificatória assume proporções delirantes nas avaliações sobre os efeitos do Tsunami WikiLeaks, o megavazamento de informes confidenciais do Departamento de Estado dos EUA pelo site da ONG criada pelo ciberativista australiano Julian Assange.
É assombroso o número de documentos secretos obtidos e divulgados pelo WikiLeaks (cerca de 250 mil), mas o derrame ainda não completou um mês, as peças que vieram a público continuam dispersas, fragmentadas, incompletas, muitas delas irrelevantes, meras curiosidades superadas pelo tempo. Prematuro, insensato e enganoso proclamar o início da Era da Transparência ou o fim do sistema tomando por base a badalação obtida pelas primeiras revelações do WikiLeaks.
A transparência prometida por Assange e sua legião de seguidores só conseguirá consumar-se no âmbito das relações diretas entre governantes de governados. O cidadão do mundo é um ideal a ser perseguido que só poderá efetivar-se quando houver um governo mundial.
A “revolução” produzida pelo WikiLeaks pode ser ilustrada e dimensionada através do informe divulgado nesta semana sobre as dramáticas decisões em seguida à hemorragia intestinal sofrida por Fidel Castro em meados de 2006. Segundo o documento americano, o dirigente cubano recusou a colostomia que o obrigaria a usar por tempo indeterminado uma bolsa externa para a coleta das fezes. O documento não revela que, posteriormente, Fidel resignou-se e hoje, passados quatro anos, recuperado, está livre do acessório cirúrgico e das roupas tipo jogging que usava para disfarçá-lo.
Este tipo de documento-bomba vai, porventura, revolucionar as relações internacionais ou alterar a secular comunicação entre as embaixadas no exterior e as chancelarias como alguns futuristas apregoam? Disparate, coisa de profeta desempregado.
A estratégia adotada pelo WikiLeaks para desovar seu explosivo arsenal de informes secretos segue uma estratégia puramente promocional, de modo a ampliar o “mercado” de veículos jornalísticos dispostos a ecoar pelo mundo afora seu esmerado sistema de vazamentos. Legítimo: a economia de mercado pressupõe o oferecimento contínuo de produtos nem sempre os mais necessários.
Imperioso reconhecer que o ativista Assange soube aproveitar com inteligência todas as facilidades do “sistema” que pretende destruir e atingiu seus objetivos num prazo recorde. A extraordinária notoriedade resulta, sobretudo, da onipotência americana que insiste em tratá-lo como um Bin Laden cibernético e oferece-lhe um upgrade que levará tempo para ser desfeito.
O que importa neste momento é gozar o espetáculo, mas evitar as tentações da história instantânea. E a etiquetagem definitiva. O processo de aferições nunca é óbvio e retilíneo, as surpresas são inevitáveis. O imponderável ainda conta em meio ao determinismo tecnológico.
Para saciar a sede de novidades, trepidação e modismos melhor degustar uma dieta rica em moderação. Dá mais prazer do que sorvê-la e logo esquecer.
» Alberto Dines é jornalista
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