terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A democracia em que culpados são os outros:: Wilson Figueiredo

A ideia de que a vida pública seja o caminho mais curto para o enriquecimento pessoal tem – entre nós, brasileiros – grande simpatia popular, enquanto a impunidade passa a esponja no passado imediato e disfarça o custo total de escândalos em sequência. Ninguém providencia a remoção do entulho acumulado.

Os políticos mostram-se indiferentes e, tão logo se confirme a denúncia, esquivam- se como for possível. Os que têm a ver fazem a comprometedora declaração de inocência. Culpados são os outros. Nem sempre, porém, a oposição – seja de que governo for – está resguardada.

A política como um todo está sob suspeita permanente. O Congresso Nacional é a instituição nacional menos confiável na opinião geral. Em princípio, todos os políticos são suspeitos preferenciais.

Grandes obras geram grandes suspeitas (por princípio e tamanho) e pressupõem gorda participação. Que corre dinheiro por fora, nunca há dúvida. As duas ditaduras que marcaram o século 20 no Brasil, o Estado Novo (1937–1945) e o ciclo militar (1964–1985), mesmo com censura aos meios de comunicação, não se livraram das suspeitas que corriam soltas. A diferença, em relação à democracia, era que, sob censura, nenhum suspeito tinha sequer como se explicar. Estava de pé o princípio segundo o qual, se há fumaça, há fogo.

A propósito, a democracia – que não pode segurar escândalos públicos pela mão da censura – também não pode partir do princípio de que políticos e administradores embolsam alguma coisa no exercício do que fazem ou deixam de fazer. Nem perder de vista o sentido corrosivo dessa desconfiança que não deixa o contribuinte dormir sem sobressaltos e acordar numa situação de crise.

O Brasil já está se destacando, à margem da legitimidade democrática, graças à maneira pela qual a figura do senador eleito (por contágio pessoal ou parentesco), sem precisar de um voto, passou a contar com a sombra do suplente enquanto vai ali e volta logo. Dispensa o voto mas não abre mão do jetom e do resto. Oeleitorjáviuque,pela porta dos fundos, com direito a aposentadoria completa, vai se estabelecer uma aristocracia previdenciária às avessas, de baixa produtividade e alto luxo. O segundo passo no mesmo rumo é o privilégio da substituição de governador de estado: uma semana sentado na cadeira do governador é suficiente para entrar na história (com minúscula) com proventos de um mandato inteiro. Quem pesquisar verá.

Não há democracia que se dê ao respeito dos eleitores se a progressão desse (vá lá) previdenciarismo desvairado continuar. Por fora ou por dentro do mandato, ficou indispensável a transparência absoluta. O respeito geral e a favorável repercussão internacional estão sendo a ênfase discreta do governo Dilma Rousseff, já entendido como um elo valioso na sequência de seis mandatos presidenciais consecutivos. Honra seja feita ao ex-presidente Lula que, por devoção ao exibicionismo, tirou o atraso republicano e demonstrou que a democracia resistiu bem à intromissão presidencial na última campanha. Aprovado.

Pode a democracia ter reservas às formas de tratamento rastaquera recebido dele, mas a presidente Dilma Rousseff já vem reparando a desconsideração.

Os primeiros efeitos fizeram do bom senso um poderoso detergente.

Os maus costumes republicanos que se cuidem, porque a sucessora de Lula já mostrou que campanha eleitoral não é a moldura para o retrato verdadeiro do candidato, e que não precisa fingir que não vê, porque já viu o suficiente para entender que democracias, para serem respeitadas, devem respeitar o cidadão como tal, e o eleitor como o primeiro interessados na lei.

A falta de consciência do perigo se manifesta também no fenômeno, mais social que político, referido como falta de memória do brasileiro.

Wilson Figueiredo escreve nesta coluna aos sábados e terças-feiras.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

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