Irresponsabilidade, imprudência, destemperos verbais, emprego de força exagerado, ameaças despropositadas, entre outros equívocos cometidos pelas duas partes nas manifestações dos bombeiros do Rio de Janeiro, converteram um movimento legítimo do ponto de vista salarial, e que poderia ter tido uma evolução pacífica, num violento confronto cuja solução não traumática exige mais sensatez, sobretudo do governo estadual.
A prisão de 439 bombeiros deu novo vigor ao movimento, que agora pode se estender para outros Estados, com a mobilização de policiais militares e bombeiros pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 300, que propõe a equiparação de seus salários aos pagos pelo Distrito Federal. Em certos casos, como o do Rio de Janeiro, a equiparação equivalerá à quadruplicação dos atuais vencimentos, o que implicará pesados gastos que muitos Estados não terão condições de cobrir, pois para isso teriam de ferir a disciplina financeira imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nos termos em que foi colocada inicialmente, a reivindicação dos bombeiros fluminenses é mais do que justificável, pois há muito tempo eles estão com os salários aviltados. Eles alegam que o piso salarial da corporação, de R$ 1.031,38, é o mais baixo de todos os Estados, por isso querem sua duplicação. No Distrito Federal, por exemplo, o piso é de R$ 4.129,73; em Sergipe, o Estado que paga o segundo maior salário, o vencimento inicial da carreira é de R$ 3.012,00, valor que pode aumentar com benefícios como o vale-transporte.
A forma que escolheram para protestar, no entanto, foi irresponsável.
Na noite de sexta-feira, cerca de mil bombeiros e guarda-vidas invadiram o quartel do Comando-Geral dos Bombeiros, no centro do Rio de Janeiro, arrombando os portões. Além disso, levavam em sua companhia esposas, algumas grávidas, e crianças, para, segundo testemunhas, formar um "escudo humano" no caso de uma eventual invasão do local por forças policiais.
Numa operação em que o objetivo não foi unicamente desocupar um prédio público invadido, mas, sobretudo, demonstrar seu poderio, o governo do Estado mobilizou o Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar, veículos blindados e helicópteros. Em nota, o governo do Estado informou que determinara a prisão dos que, insubordinados, haviam invadido um bem público e transgredido o código de conduta militar.
De maneira não menos insensata do que a demonstrada pelos manifestantes, a força enviada para desocupar o quartel utilizou explosivos para a derrubada dos portões dos fundos, disparou tiros para o ar e lançou bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, além de spray de pimenta. Por muito pouco não houve uma tragédia. Todos os ocupantes do quartel foram presos.
Não satisfeito com o uso de força policial desproporcional e injustificável na desocupação do quartel dos bombeiros, o governador Sérgio Cabral, em entrevista coletiva, chamou os manifestantes de "delinquentes" e "vândalos" e afirmou que o movimento tinha inspiração política. Como que para reafirmar uma autoridade que não se questionava, exonerou o comandante dos bombeiros e prometeu que os invasores serão punidos administrativa e penalmente. Desse modo, tornou mais difícil a busca de uma solução negociada para a crise.
Em vez de transmitir tranquilidade à população e um mínimo de serenidade aos envolvidos na crise, Cabral só agravou a situação. Conseguiu tornar mais tensa uma crise que já começou grave. Desse modo, estimulou novos apoios ao movimento reivindicatório. Companheiros dos bombeiros presos fizeram manifestações nas escadarias da Assembleia Legislativa e ganharam o apoio de movimentos que defendem direitos humanos e de deputados estaduais e federais de diferentes partidos.
A mobilização que se inicia em outros Estados pela aprovação da PEC 300 pode dar amplitude nacional à crise que, bem conduzida pelo governo fluminense, poderia ficar circunscrita ao Estado do Rio de Janeiro.
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