quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Dólar dispara e FMI vê risco no crédito

Com o agravamento da crise e apostas de fundos estrangeiros no mercado cambial, o dólar subiu 4,25%, a R$ 1,865, maior alta em dois anos, acumulando 17% no mês. O governo admite mudar sua ação no câmbio. Para o FMI, o crédito no Brasil ameaça a economia.

Dólar: escalada sem limite

Moeda sobe 4,25%, vai a R$1,865, com especulação. Governo já pensa em rever estratégia no câmbio

Bruno Villas Bôas, Gabriela Valente e Fernando Eichenberg*
Uma crise internacional cada vez mais pesada e apostas erradas de fundos de investimentos estrangeiros no mercado futuro de câmbio sacudiram ontem o dólar. A moeda americana subiu 4,25%, a R$1,865, o maior avanço percentual desde 22 de outubro de 2008 - auge da crise hipotecária americana - e maior valor desde junho de 2010. A moeda americana acumula agora um avanço de 17,07% no mês, uma das maiores valorizações do mundo. O dólar turismo chegou mais perto de R$2 e fechou a R$1,93 no Rio, com alta de 2,11%. Diante deste quadro, o governo brasileiro, que tanto combateu a valorização do real - que chegou a ser negociado a R$1,537 em 26 de julho, menor cotação em 12 anos - já admite a possibilidade de rever sua estratégia no mercado.

- Se houver alguma piora relativa da crise, o câmbio terá pouca alteração, será uma movimentação gradual, perfeitamente assimilada pela economia. Agora, se a coisa ficar feia, vamos ter de repensar tudo e ver o que precisa ser feito. Mas não vamos nos antecipar - disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao chegar ontem em Washington para o encontro anual do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.

Durante o dia, a moeda chegou a ser negociada a R$1,872 (+4,64%) no mercado à vista. A disparada levou o Banco Central (BC) a já ontem mudar sua atuação e anunciar que não renovará contratos de derivativos que venceriam no início de outubro. Esse tipo de papel, conhecido como swap cambial reverso, ajudava a evitar que a moeda americana derretesse ainda mais, porque, na prática, funciona como uma compra de dólares no mercado futuro. Agora, com a decisão, é como se o BC tivesse vendido US$2 bilhões. O BC ainda tem na manga US$6,4 bilhões em contratos de swap cambial que estão na praça. Segundo fontes graduadas da área econômica do governo, o mercado futuro tem um peso muito maior na formação do preço da moeda e preocupa o BC.

Bancos reveem projeções da moeda

No mercado futuro, por trás do avanço do dólar estão fundos de investimento estrangeiros e grandes bancos brasileiros, principalmente Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, HSBC, Santander e Citibank. Esses bancos operam contratos de câmbio na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) buscando lucro para si - a chamada operação de tesouraria - e para seus clientes, como empresas exportadoras, por exemplo.

Os estrangeiros, por sua vez, apostavam no mercado futuro que o dólar seguiria em queda e os juros brasileiros seguiriam em alta. Mas o dólar comercial entrou em trajetória de valorização com a piora do cenário externo e com o inesperado corte, por parte do BC, da taxa básica Selic, em 0,5 ponto percentual no fim de agosto, para 12% ao ano.

Sidnei Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora, afirma que os grandes fundos estrangeiros, ao errarem nas apostas, começaram a perder dinheiro. Para evitar prejuízos maiores, foram ao mercado fechar contratos projetando a alta da moeda. Esbarraram, no entanto, na falta de liquidez causada pela criação, no fim de julho, de uma espécie de pedágio para os investidores que aumentarem suas apostas na queda do dólar.

Pela medida, quem fizer operações vendidas (que projetam desvalorização do dólar) acima de US$10 milhões e não tiver uma contrapartida equivalente em operações compradas (que apostam na subida da moeda) estará sujeito a um Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 1% sobre o descasamento.

- O mercado está com pouca liquidez após as medidas de IOF anunciadas pelo governo. Ou seja, tem menos agentes operando. Os bancos acabaram assumindo a contraparte das posições dos fundos estrangeiros, mas cobraram por isso uma taxa muito alta. Deram uma surra nos fundos estrangeiros e puxaram a taxa para cima - explica Nehme.

As apostas dos bancos na alta do dólar superavam seus contratos projetando queda em US$956 milhões na segunda-feira. Na terça-feira, a diferença caiu para US$96 milhões, considerando cupom cambial (que inclui variação de juros) e dólar futuro. Já as apostas dos investidores estrangeiros na queda da moeda superavam os contratos prevendo alta em US$9,074 bilhões na segunda-feira. Na terça-feira, a diferença caiu para US$8,667 bilhões.

Para Rodrigo Trotta, superintendente de Tesouraria do Banif, o mercado também vive uma crise de confiança sobre a capacidade do país de controlar a inflação. Ele lembra que o dólar comercial subiu mais de 15% desde o corte dos juros pela autoridade monetária.

- O BC precisa trabalhar com foco na inflação. Se começa a aceitar um índice de preços mais alto, ele perde credibilidade junto ao mercado. O dólar é uma a variável emocional mais forte no mercado - explica Trotta.

Nos últimos dias, os setores de análise dos grandes bancos reviram suas projeções para o dólar no fim do ano. O BNP Paribas prevê a moeda a R$1,85 em dezembro. O Bank of America espera cotação de R$1,80 e o JPMorgan, de R$1,70. Antes, a maioria previa o dólar em torno de R$1,65 no fim do ano.

Mantega: dívida de empresas preocupa

De acordo com Mantega, os próximos passos vão depender da rapidez da crise na zona do euro:

- A velocidade é um pouco variável. Mesmo porque o mercado às vezes exagera na velocidade, tem aquele famoso efeito manada. No caso brasileiro, como você tem uma certa atuação nos mercados de derivativos, os investidores que estavam vendidos em dólar estão mudando de posição para ficarem comprados em dólar. Há um ajustamento no mercado de derivativos.

O ministro assegurou que o governo continua apostando no câmbio flutuante:

- Eu não tenho um nível de preocupação. É claro que, se houver uma forte desvalorização do real, isso pode preocupar, mais pelos efeitos que poderá ter com alguns devedores brasileiros - comentou ele, lembrando que a alta do dólar "traz alguns benefícios para a produção industrial brasileira e os exportadores".

Para o economista da corretora Renascença, José Carlos Amado, há chances de a moeda americana chegar a R$2 porque, além do movimento no mercado futuro, o "mercado está parado, ninguém capta lá fora" e o fluxo está minguando a cada semana porque os exportadores já trouxeram tudo que estava no exterior à espera somente de uma alta do dólar.

Na semana passada, o saldo das entradas e saídas de dólares foi de apenas US$395 milhões, enquanto na semana anterior foi de US$2,8 bilhões. O saldo só foi positivo por causa das exportações. Se dependesse só das aplicações financeiras, a semana fecharia no vermelho em quase US$1,2 bilhão.

FONTE: O GLOBO

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