O salto dos gastos federais, sobretudo as despesas correntes, promovido em 2010 (além dos contratados para os anos seguintes) como forte trunfo do lulismo na última disputa para o Palácio do Planalto, produz agora efeitos que, combinados aos da repercussão prevista da nova turbulência econômica externa, colocam a presidente Dilma Rousseff diante do tripé de um cenário preocupante para o país e politicamente perigoso para ela: persistência da pressão inflacionária, dificuldade por isso de baixa das taxas de juros e projeções de significativa queda do PIB. Como se recorda, a escalada dos gastos teve a justificativa de “política anticíclica” de resposta à crise financeira internacional de 2008, embora as implicações desta no Brasil fossem avaliadas por Lula como uma “marolinha”.
Tendo em vista centralmente a queda dos juros, mas reconhecendo enfim que eles não podem baixar com o horizonte de continuidade do descontrole dos gastos, pelo menos na retórica a presidente rendeu-se à parte das metas anti-inflacionárias da proposta formulada no final de 2005 pela dupla Antonio Palocci-Delfim Netto para que o crescimento das despesas passasse a ser inferior ao do PIB – proposta qualificada como “rudimentar” por ela, às vésperas de substituir Palocci na Casa Civil já como pré-candidata à sucessão presidencial numa campanha dominada pelo populismo. Com a decisão anunciada segunda-feira de que o governo economizará R$ 10 bilhões da receita de 2011 para aumento correspondente do superávit primário (decisão que o mercado considerou insuficiente, mas como um passo positivo), a presidente evidenciou uma mudança de compreensão das condicionantes da política monetária. E, no plano institucional, teve o objetivo básico de contrapor-se a projetos legislativos – às vésperas de votações finais – cuja aprovação agravará bem mais os problemas de natureza fiscal. Entre eles o da regulamentação da emenda 29, que aumentará os recursos “carimbados” da União, dos estados e dos municípios para a área de saúde (que havia sido defendida enfaticamente pela candidata Dilma, em maio de 2010: “Assumo o compromisso de lutar logo no início do mandato pela emenda 29”). Mas tal objetivo é de resultado incerto em face da precária relação da chefe do Executivo com o conjunto da base governista nas duas casas do Congresso. O que antecipei no Top Mail de 10 de agosto, no texto intitulado “Complicações da economia potencializam as da política”. No qual assinalei que tais complicações vão reduzir progressivamente a alta popularidade inicial da presidente Dilma e estreitar sua influência no Poder Legislativo.
Reportagens do Valor a respeito das medidas de economia do governo mostram a origem das receitas e os distintos efeitos delas sobre os investimentos e os outros gastos, além das preocupações generalizadas com o cenário fiscal de 2012. Seguem-se trechos dessas reportagens: “Somente em junho e julho deste ano, a ‘arrecadação extra’ obtida pela Secretaria da Receita Federal somou R$ 14,8 bilhões. Esse ‘extra’ decorreu de antecipações de pagamentos feitos por empresas por conta do chamado Refis da Crise e de pagamento da Vale no montante de R$ 5,8 bilhões referentes a débitos da CSLL”. “Pelo menos até agora, o governo federal lançou mão da velha fórmula de segurar principalmente os investimentos” (2,4% menores que no mesmo período de 2010). Enquanto as despesas correntes (com aposentadorias, pessoal e custeio) “aumentaram a uma velocidade superior a dois dígitos”. “E para o ano que vem a expectativa é de nova aceleração dos gastos já que há várias medidas contratadas que elevam os dispêndios, como o reajuste de 14% do salário mínimo”. Medidas essas que são parte do que Dilma continua a qualificar como “herança bendita” do governo Lula.
Quanto à dificuldade do Planalto de bloquear os projetos em fase final de tramitação no Congresso e que têm sérias implicações inflacionárias, um risco adicional para o conjunto da sociedade é o de mais aumento da abusiva carga tributária em vigor. Já anteontem, refletindo certamente orientação do Executivo, o líder governista na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza, sugeriu que a emenda 29 seja substituída por outra que ele denominou de 58, que combinaria o aumento das verbas para a área da saúde com a recriação da CPMF ou a instituição de um tributo equivalente. Combinação que, felizmente, está sendo rechaçada pela liderança do PMDB na Câmara, em choque com a do PT, favorável à criação ou recriação do tributo.
Jarbas de Holanda é jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário