Relator da comissão especial da Câmara criada para debater a reforma política, Henrique Fontana (PT-RS) vê com apreensão a resistência dos colegas a mudanças no atual sistema político, que ele considera falido.
Ex-líder do governo Lula, Fontana afirma que recentes casos de corrupção que abalaram o governo Dilma estão ligados a práticas viciadas, que transformam a política brasileira em um balcão de negócios. A seguir, a síntese:
Zero Hora – A falta de entusiasmo dos parlamentares de mudar as regras eleitorais deve sepultar a maioria das propostas apresentadas em seu relatório?
Henrique Fontana – Sempre é um desafio propor mudanças no sistema eleitoral, na medida em que os parlamentares tendem a ser conservadores com as regras que os elegeram. Os problemas que têm surgido na política brasileira, incluindo recentes casos de corrupção, têm relação com o sistema político atual. Esse modelo de financiamento privado, no qual aqueles que têm interesses a tratar com os futuros governos são os mesmos que financiam as campanhas, chegou ao seu limite.
ZH – Quais seriam os pontos imprescindíveis da reforma?
Fontana – O alicerce da mudança do sistema político brasileiro é a adoção do financiamento público exclusivo de campanha. Não é preciso gastar uma fortuna para ter uma política boa e democrática.
ZH – Falta empenho do Planalto para aprovar a reforma?
Fontana – A presidente Dilma Rousseff defende a reforma. Contudo, eu que fui líder do governo Lula na Câmara durante dois anos e meio, compreendo que um presidente tem uma base política heterogênea. É natural que Dilma não entre no centro das negociações sobre o modelo político que deve ser adotado. Mas não tenho nenhuma dúvida de que ela apoia a reforma. Inclusive, suas manifestações públicas sobre o tema têm nos ajudado muito.
ZH – A disposição do ex-presidente Lula de intervir na reforma pode forçar a apreciação do tema pelo Congresso?
Fontana – Lula é um líder político com grande credibilidade e com diálogo com diversos setores da sociedade. A entrada dele no processo seguramente vai nos ajudar muito.
ZH – O senhor afirma que a população apoia a reforma política. No entanto, muitos eleitores enxergam com desconfiança propostas como o financiamento público. Como contornar esse obstáculo?
Fontana – A população tem de entender que já paga pelas campanhas dentro do sistema privado. Quando as empresas financiam os políticos, elas agregam ao preço das mercadorias que vendem o valor que vão utilizar para patrocinar os candidatos. Ou a parte mais nebulosa, quando são abertas as portas para privilégios ou relações que alimentam cadeias de corrupção, como em obras superfaturadas. Seria muito melhor se a política não fosse considerada um negócio.
ZH – Por que é tão difícil para o Congresso mudar as atuais regras eleitorais?
Fontana – Porque elas beneficiam determinados setores que têm muita força dentro da política. Os grandes beneficiados de uma mudança como a que estou propondo se mobilizam menos do que aqueles que querem manter privilégios.
ZH – O voto em lista não beneficia as castas partidárias?
Fontana – As castas são muito privilegiadas no sistema atual, no qual controlam os canais de financiamento e a lista de candidatos apresentada aos eleitores.
ZH – Por que o senhor não optou pelo modelo de voto distrital, que tem a preferência de líderes peemedebistas, no lugar do voto em lista preordenada?
Fontana – Considero o voto distrital ruim porque fragmenta o país em 513 pedaços. As ações dos líderes políticos seriam paroquiais. Eles tenderiam a debater apenas aquilo que importa para seus distritos.
Perguntas e respostas
Tire suas dúvidas sobre o que pode mudar se a reforma política for aprovada pelo Congresso:
VOTAÇÃO PROPORCIONAL MISTA
Como serão elaboradas as listas?
A elaboração das listas pelos partidos deverá seguir princípios democráticos, ficando vedada a indicação arbitrária de candidatos por dirigentes partidários. Os partidos deverão escolher os nomes das listas pelo voto secreto.
Os candidatos nominais são os mesmos da lista fechada?
Sim. Qualquer candidato da lista poderá ser votado nominalmente pelo eleitor em seu segundo voto. O conjunto de eleitos do partido será formado pela alternância entre os candidatos mais votados nominalmente e os candidatos da lista fechada, começando pelo candidato eleito pelo voto direto. Se o primeiro colocado da lista também for o mais votado nominalmente, o candidato seguinte na relação ocupará a vaga subsequente.
Há limites definidos de candidatos por partido?
Sim. O número de vagas em disputa em cada Estado será o limite para apresentação de candidatos.
Quando o número de vagas previstas para um Estado for ímpar, quantos deputados serão eleitos pela lista e quantos pelo voto nominal?
As cadeiras serão distribuídas entre os partidos segundo o cálculo do quociente partidário. Se muitas legendas conquistarem número ímpar de vagas, no total haverá mais candidatos eleitos pelo voto nominal do que pela lista.
FINANCIAMENTO PÚBLICO
Qual será o percentual de aporte da União no fundo nacional?
A participação da União no fundo será proposto pelo TSE. Havendo contribuições de pessoas físicas e jurídicas, os recursos públicos equivalentes às doações não serão gastos e retornarão ao Tesouro. Se não houver doações privadas, o orçamento da União financiará 100% das campanhas. Não há limite para as doações privadas.
Cidadãos podem doar?
Eleitores e empresas podem fazer doações apenas ao fundo de financiamento de campanhas, jamais diretamente aos candidatos ou partidos. Os candidatos também não poderão usar recursos próprios.
Os partidos acumulariam os recursos do fundo partidário com o dinheiro do financiamento público?
Entre as finalidades atuais do fundo partidário estão a manutenção da estrutura partidária e o financiamento de campanhas eleitorais. A proposta de reforma política veda a utilização de recursos deste fundo em campanhas.
FIM DO SUPLENTE DE SENADOR
Por que o substituto de um senador será o deputado mais votado do mesmo partido, e não o candidato a senador posicionado logo abaixo na votação?
Na avaliação de Henrique Fontana, o segundo candidato mais votado representaria uma proposta partidária derrotada no Estado, podendo ter sido superado por uma ampla margem de votos. O substituto de senador, no entanto, apenas exercerá o cargo, e não sucederá o titular. Se o parlamentar se afastar definitivamente, será eleito um novo senador para a vaga na eleição seguinte.
COLIGAÇÕES
A nova regra veda as coligações proporcionais?
As coligações em eleições proporcionais (deputados e vereadores) serão proibidas. Somente serão autorizadas coligações em disputas majoritárias (prefeito, governador, senador e presidente).
Mudam as atribuições do Ministério Público Eleitoral?
O MP continuará com as mesmas competências previstas atualmente. O projeto, contudo, prevê mudanças no enquadramento dos suspeitos de envolvimento em irregularidades, ampliando as possibilidades de buscar a punição dos candidatos nas esferas civil, eleitoral e criminal. Segundo a proposta, o caixa 2 passa a ser tipificado como crime.
FEDERAÇÕES DE PARTIDOS
O que é uma federação de partidos?
É um arranjo duradouro, no qual os partidos que integram a federação atuarão como se fossem uma única agremiação, tanto no registro de candidatos quanto na atuação parlamentar. As federações terão de se manter juntas por no mínimo três anos.
Fonte: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados
FONTE: ZERO HORA (RS)
Nenhum comentário:
Postar um comentário