Para ganhar notoriedade deveria ter um codinome, talvez sigla (algo como ADM, Agenda Diária Mundial) e, para ostentar respeitabilidade adotar uma palavra da Antiguidade Clássica, soa sábia. Speculum, do latim, viria a calhar: o espelho, amigo-algoz, é na verdade uma compulsão que nos obriga a especular sobre as transcendências cotidianas.
No espelho diário do noticiário, abarrotado com premências, acumulam-se contradições, confusões, mistificações e simploriedades. No País, o combate à corrupção parece prioritário. A presidente Dilma Rousseff acumula pontos ao completar a marca de quatro ministros demitidos por improbidade nos seus 285 dias de governo. Mas a demissão é um castigo volátil sujeito a uma rápida diluição, só funciona nas rememorações, no âmbito do Google e demais buscadores de dados.
Antônio Palocci está hoje confortavelmente instalado na galeria dos esquecidos, assim também Alfredo Nascimento e Wagner Rossi, aos quais se juntará dentro de dias o "turista" Pedro Novais. Se demitir mais três até o fim do ano - o que seria plenamente justificável - a presidente-faxineira não terá neutralizado substancialmente a imoralidade instalada na máquina pública. Enquanto o senador José Sarney manter-se como vice-rei de uma República cada vez menos republicana, o Estado continuará administrado pela inépcia e pelo despudor.
O Estado está na berlinda: a extrema-direita mundial, inspirada no Tea Party das charmosas matronas Sarah Palin e Michele Bachman, quer castrá-lo. A ala canibal do sistema financeiro internacional não se importa com fraudadores como Kweku Adoboli que acaba de dar um golpe de US$ 2 bilhões no suíço UBS (o equivalente à economia gerada pelo corte 3.500 empregos), nem com Jérôme Kerviel que deu sumiço em US$ 6,8 bilhões na Societé Générale. Os especuladores não querem controles, não querem regulação, abominam o Estado responsável, precisam da loteria dos derivativos para embolsar bônus bilionários e deixar o mundo dependente de seus delírios.
Nessa sexta-feira, o maior diário esportivo brasileiro, Lance publicou na capa um editorial onde dizia que o governo "não pode assumir o compromisso de realizar a Copa sem saber no que está se metendo." O editorial foi estampado pela primeira vez em 28 de setembro de 2006, há exatos cinco anos. Na mesma sexta-feira, O Globo instalou uma espécie de ampulheta em sua primeira página: "Faltam 1.000 dias, 52 obras, 12 estádios, leis e uma seleção". Falta tudo, inclusive a Lei Geral da Copa. Estamos enfiados numa inexorável corrida em direção ao vexame amparados no cânone único da verdadeira religião brasileira, "Deus é brasileiro".
Seu nome não deveria ser invocado em vão como preconiza o Primeiro Mandamento. Mas os fanáticos terroristas agem em seu nome, assim também aqueles que se empenham na guerra ao terror. Na Cisjordânia, alegando inspiração divina ocupa-se território alheio, impede-se a soberania de um povo enquanto litigantes e apoiadores fazem questão de esquecer a decisão da ONU aprovada há 64 anos determinando a partilha da ensanguentada Terra Santa.
A primavera árabe pretendia liquidar a opressão e entronizar o Estado de Direito, mas na Líbia recém-liberada seus novos dirigentes prometem adotar uma democracia islâmica. Não muito longe, em Túnis, o premiê turco Recep Erdogan quer ajudá-los, tenta desfazer a contradição e cai em outra, maior: "Um cidadão não precisa ser laico, mas o Estado sim". Ora, se o Estado tem uma religião, não é laico.
A Agenda Diária Mundial está em rebuliço, doida. O espelho está embaçado. Culpa da nova série de explosões solares.
Alberto Dines é jornalista
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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