De oposicionista de Lula, senadora representante do agronegócio vira parceira do governo e ajuda a votar Código Florestal
Gerson Camarotti
BRASÍLIA. De forma surpreendente, a senadora ruralista Kátia Abreu (sem partido-TO) passou a ser queridinha no Palácio do Planalto nos últimos meses. Depois de uma atuação fortemente oposicionista nos dois mandatos do governo Lula, a senadora agora já é listada como parceira do governo Dilma. A rápida mudança de posição chama a atenção de antigos aliados da oposição e dos novos parceiros governistas. Kátia já anunciou sua filiação ao PSD, o partido ainda em fase de criação.
Com dificuldade para se ajustar ao novo discurso sem admitir ser adesista ou vira-casaca, a senadora, que também é presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), afirma que permanece na oposição até o fim do seu mandato, em 2014. Mas sua argumentação a respeito de vários temas já é de uma integrante da base aliada.
Perguntada sobre o movimento de recuo da faxina da presidente Dilma no primeiro escalão do governo, a senadora foi só elogios:
- A presidente Dilma não refluiu na faxina. Em toda batalha, há um recuo estratégico. Mas ela vai persistir nisso. Não vai tolerar corrupção. O que tem sido feito é para aplaudir. Se fosse no governo Lula, não cairia ninguém. Esse combate à corrupção vai ser um marco.
O primeiro encontro da senadora com Dilma aconteceu em junho. Em agosto, chamou a atenção do núcleo palaciano o discurso que Kátia Abreu fez na Exporinter - exposição agropecuária internacional no Rio Grande do Sul - com elogios não só à presidente Dilma, mas também ao ex-presidente Lula.
Algo impensável até recentemente. Ainda no DEM, Kátia quase foi candidata a vice do tucano José Serra na eleição presidencial - que rejeitou a ideia de ter uma ruralista na chapa - e na campanha fez duras críticas à dupla petista.
Nos bastidores, ela tem ajudado a construir no Senado consenso para o Código Florestal. Depois da derrota que o Planalto sofreu na Câmara, agora passou a negociar com Kátia solução para o impasse. E ela tem sido flexível, segundo relatos de assessores da presidente.
- Às vezes, é melhor perder o anel do que um dedo - afirma a senadora, ao explicar como tem negociado com o governo o texto do Código Florestal.
A afinidade entre a senadora ruralista e a presidente leva a interpretações de que não só Kátia Abreu mudou. Mas também a política ambiental do governo, tendo ficado mais próxima, em alguns aspectos, dos interesses dos grandes agricultores.
De relatora da emenda que extinguiu a CPMF, em dezembro de 2007, até o momento de sintonia com a Dilma, a senadora do Tocantins passou por muitas mudanças. Ao GLOBO, afirmou:
- Não sou vira-casaca. Sei que é complicado entender a minha posição. Mas, ao longo do tempo, tudo ficará claro. Não quero cargo. Eu tenho minhas convicções.
A metamorfose de Kátia Abreu foi construída aos poucos. Ela tentou um primeiro contato com o Planalto, em 2009, quando assumiu a CNA. Chegou a se encontrar com Lula. Mas não houve química.
- Não estava de mal com Lula. Mas, sim, com as ações dele.
Em fevereiro, já avisava que votaria com o governo em temas de interesse do país, como o salário-mínimo. Após a votação, participou de evento em Palmas (TO), ao lado da então ministra da Pesca, Ideli Salvatti.
- O discurso da Kátia surpreendeu muito. Ela falou na solenidade e depois disse para mim: "Você deve ter estranhado o meu voto (no mínimo). Mas a minha época de líder estudantil está superada"- relembra hoje a ministra de Relações Institucionais. - Tem um movimento de aproximação, principalmente por causa da CNA. Ao mesmo tempo, a mudança para o PSD também ajudou no nosso diálogo.
Sobre a CNA, setores do governo pensaram até em lançar o senador Blairo Maggi (PR-TO) - antes da crise no Ministério dos Transportes - como candidato para tentar impedir a reeleição de Kátia no comando da entidade dos agricultores. O governo não só desistiu da ideia, como espera que ela seja reeleita, em outubro.
A mudança partidária, bem recebida no Planalto, é criticada por seus antigos aliados:
- O novo posicionamento da senadora, de maior alinhamento com o governo, não é por acaso. O segmento que ela representa começou a sentir desconforto com ela, por estar muito radical contra o governo, o que prejudicava a CNA. Para os ruralistas, a posição teria que ser de defesa do setor, e não de enfrentamento com o governo - afirma o deputado Rodrigo Maia (RJ), ex-presidente do DEM.
A aproximação com a presidente aconteceu numa sala vip do Agrishow, outra grande feira agropecuária, em Ribeirão Preto, em junho. Kátia confirma:
- Foi uma conversa muito boa. Superou as expectativas. Tratou de todos os assuntos do setor e gera em mim confiança naquilo em que acredito. Sinto que há interesse real no tema.
Logo depois, num gesto de simpatia ao Planalto, apoiou o nome do novo ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro. A senadora também acertou parcerias com Dilma. Numa delas, a CNA vai colaborar com o Ministério do Trabalho para fiscalizar a legislação trabalhista, estabelecendo até parceria com a Contag, por solicitação de Dilma. Com a ministra Tereza Campello (Desenvolvimento Social) combinou parceria, dentro do Brasil sem Miséria, para capacitar técnicos.
FONTE: O GLOBO
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