O resultado do mais recente Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), que revelou um incrível desnível das escolas públicas em relação às escolas privadas do país, além de colocar em discussão a qualidade do ensino em si, está também acendendo o debate sobre a eficácia dos diversos mecanismos de avaliação da educação no país.
O movimento "Todos pela Educação", aliança de empresários brasileiros cujo objetivo é garantir educação básica de qualidade para todos os brasileiros até 2022, ano do bicentenário da Independência, está aprofundando uma análise das avaliações, pois há pesquisadores questionando os resultados medidos pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) ou pelo Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).
Questões de amostragem podem pôr em xeque os avanços registrados, que, embora para o ministro da Educação Fernando Haddad pareçam evidentes, são questionados por educadores.
O Brasil ficou em 53º lugar, entre 65 países, numa prova que avaliou a capacidade de leitura de alunos de 15 anos. O Pisa ainda avaliou habilidades em Matemática e Ciências.
Mas, segundo relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil teve "um grande ganho" na nota de leitura nos últimos anos. Apesar disso, ainda fica atrás de Chile (44º ), Uruguai (47º ), Trinidad e Tobago (51º ) e Colômbia (52º ). Em Ciências, os estudantes brasileiros obtiveram 405 pontos, e, em Matemática, 386 (contra 600 da China).
Fernando Veloso, especialista em educação do IBRE/FGV, lembra que os resultados do Enem, por ser este um teste voluntário, não devem ser interpretados como uma medida de qualidade do ensino médio. Para analisá-la, seria melhor usar os resultados do Pisa e do Ideb, que se baseiam em amostras representativas do total de alunos.
Veloso diz que os resultados do Pisa e do Ideb mostram "uma evolução da qualidade da educação no Brasil, embora ainda lenta, principalmente no ensino médio".
Os resultados recentemente divulgados da prova ABC, que avalia leitura, escrita e Matemática ao fim do 3º ano do ensino fundamental, também mostram enorme disparidade no desempenho das escolas públicas e particulares, assim como revelou o Enem.
Embora possam refletir diferenças de gestão, Veloso diz que elas estão relacionados às diferenças nas condições socioeconômicas dos alunos das redes pública e particular.
Como desenhar intervenções que reduzam o impacto das condições socioeconômicas no desempenho dos alunos é uma questão muito debatida hoje nos EUA, diz Veloso. Têm surgido experiências promissoras, que combinam maior duração do dia e do ano letivos, avaliações frequentes de professores e alunos e preocupação em estimular características como disciplina, motivação e persistência.
O ponto importante, diz, é que as intervenções de sucesso consistem em uma combinação de determinadas ações adaptadas a cada contexto específico. "Portanto, são algo muito diferente de simplesmente abrir novas creches ou aumentar o tempo na escola".
Na mesma linha vai o educador Arnaldo Niskier, ex-secretário estadual de Educação e membro da Academia Brasileira de Letras. Embora admita que a escola está sendo submetida a avaliações de todo o tipo, "o que é um mau, toma um tempo precioso do que interessa mesmo, que é dar aula, ministrar conhecimento", Niskier lembra que o país viveu "sem avaliação 500 anos e nunca se teve instrumentos para se medir com precisão o que deveria ser feito para melhorar a qualidade do ensino, que é o que está em jogo".
O que é inequívoco, diz, é que para quem tem uma escola boa, qualquer que seja a avaliação, o resultado será o mesmo. "É o caso do São Bento, uma escola de qualidade há cem anos, baseada numa educação humanista".
Ele cita várias razões para os avanços e recuos do ensino, especialmente a formação dos professores: "Eles são muito mal remunerados e mal formados no início da carreira, e não têm a formação continuada que nos países desenvolvidos é permanente. Se o professor não se atualiza, o aluno perde o respeito intelectual pela figura do mestre".
Niskier lembra que o Rio já teve a liderança pedagógica do país, e que, de uns tempos para cá, enquanto o ensino privado vai bem, o ensino público no estado "é caótico".
Frisa que o colégio São Bento, considerado o melhor do país, tem tempo integral: o aluno entra às 7h30m e sai às 18h20m. No sistema público, o máximo são quatro horas.
Para Niskier, nas escolas particulares bem colocadas no Enem "se pratica a disciplina de forma bastante séria, em que o aluno não é dono da escola; quem manda é o professor. Nas públicas é onde ocorrem os maiores fenômenos de indisciplina e violência, por distorção de prioridades".
Para o educador, "o Brasil não pode dormir tranquilo com sua educação nos últimos lugares no âmbito internacional. A economia está crescendo, oferecendo novas oportunidades, mas vamos bater em uma barreira que é a ausência de recursos humanos qualificados".
João Batista Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, considera que os dados do Pisa revelam que nossos alunos sabem ainda menos Matemática que Português. O Pisa é para alunos de 15 anos, e o Enem, para quem têm em torno de 17 anos; portanto, são aplicados a gerações muito próximas.
"Os resultados de um são espelhados no resultado de outro. E, claro, refletem que não houve mudanças na educação que justificassem mudanças nos resultados".
Ele diz que a estabilidade das avaliações reflete a boa qualidade dos testes: testes bem feitos só mudam muito se houver mudanças dramáticas num sistema educacional. Diz que há poucas semanas o "Todos pela Educação" apresentou pesquisa com alunos do 3º ano em 2011, "cujos dados mostram que a aprendizagem continua muito baixa".
Para Oliveira, "salvo milagre, a continuar como vão esses alunos, daqui a nove anos eles vão repetir esses resultados no Enem". Em síntese, diz, "não há nada no panorama educacional brasileiro que justifique razão para otimismo".
O nome correto do presidente do IBP é João Carlos França de Luca, e não José Carlos como escrevi na coluna de ontem.
FONTE: O GLOBO
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