Todas as opções são penosas, escolher foi sempre um esporte radical, restrito. Agora mais do nunca: todas as hipóteses oferecidas para enfrentar a crise global são igualmente arriscadas, complexas, e, sobretudo, independentes do arbítrio pessoal. Nesta era da comunicação instantânea e das redes sociais, quem manda é o leviatã, o Estado, quem o confronta e geralmente domina é um ente invisível, inflexível e onipresente chamado Mercado.
Uma greve geral paralisou Portugal na última quinta em protesto contra o programa de austeridade imposto pelo premiê conservador Pedro Passos Coelho. Na realidade, foi uma repetição da mobilização do ano passado contra um programa igualmente rigoroso imposto pelo antecessor, o socialista José Sócrates. O velho guerreiro Mario Soares, aos 86 anos, lançou um ataque frontal ao neoliberalismo acusando-o de acabar com a Europa e ameaçar a democracia.
Todos estão certos, este é o problema. Os políticos investem contra os tecnocratas e estes colocam no banco dos réus os demagogos que para ganhar eleições oferecem soluções mirabolantes, inviáveis, que só aumentam o endividamento público. Porém não existem alternativas senão apertar o cinto e pagar as contas. Como fez o Brasil em meados dos anos 90 e começa a fazer o mesmo agora depois das libações do último biênio.
O único buraco negro que ninguém ousa explorar devidamente é a origem do atual pesadelo. A falha é tão perceptível e tão inquestionável que identificá-la já constitui uma vigorosa denúncia contra o discernimento e a competência das lideranças políticas, empresariais e intelectuais do mundo inteiro. A quebradeira no sistema de hipotecas imobiliárias em 2008 não foi a causa, foi a consequência de um desvario especulativo do mercado financeiro americano entregue ao fetichismo da desregulação, por sua vez estimulada por uma liderança política tosca, beirando a estupidez. O mundo está pagando hoje pelos desacertos da corte Bush instalada na Casa Branca que apostou na truculência e amordaçou a inteligência de uma das mais sofisticadas sociedades contemporâneas.
E o perigo que corremos é ver um dos oito boçais republicanos que pretendem disputar as próximas presidenciais com Barack Obama arrastando o mundo para impasses que não se resolverão pacificamente. O Brasil está em posição confortável, mas não pode dar-se ao luxo de adotar os simplismos e rudimentos até agora vigentes. Ao Estado ainda cabe um papel crucial na produção e distribuição de riquezas, mas um Estado fragmentado por 38 ministérios – currais partidários com porteiras fechadas – é ingovernável como denunciou o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, presidente da Câmara de Gestão do governo federal.
No momento em que Portugal diminui o número de municípios (alguns tão antigos quanto o próprio país) para economizar despesas administrativas, políticos do Pará estão empenhados em subdividi-lo para criar mais duas custosas unidades federativas.
Governadores engalfinham-se na disputa pela receita do pré-sal, nenhum sai à rua para exigir um sistema de proteção contra vazamentos de petróleo. Invocando a liberdade acadêmica estudantes não querem a presença de policiais no câmpus da USP, porém aceitam a de traficantes, ladrões e estupradores.
Vamos à rua protestar contra políticos corruptos e nas eleições seguintes escolhemos outros, ainda mais corruptos. Não nos incomodam os magistrados venais, desde que nossos advogados consigam cooptá-los. Adotamos os paradigmas do 3º Setor, mas um número substancial de ONGs vivem de recursos públicos encaminhados diretamente para o bolso dos apadrinhados. Nesta era de incertezas, duas certezas são nítidas: o bem-estar tem preço, ética sem dor é brincadeira.
Alberto Dines é jornalista
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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