domingo, 27 de novembro de 2011

Existe saída para a Europa?:: José Roberto Mendonça de Barros

A situação da Europa piora a cada dia. Grandes pressões sobre a Grécia e a Itália acabaram por resultar em novos governos, de caráter tecnocrata e com jeito de salvação nacional. A demora das autoridades da região em dar um encaminhamento mais efetivo e suas diferentes percepções estimularam a elevação da intensidade dos ataques, e o perigo agora está na França, país ameaçado pelas agências de classificação de risco com a perda do AAA o que, caso ocorresse, significaria realmente fim de jogo para a Europa. Até a Alemanha sofreu um primeiro aviso, com o fracasso do recente leilão de títulos do Tesouro, onde foi vendida pouco mais de 60% da oferta. Desse total, o Banco Central alemão comprou nada menos que 40%, ou seja, o mercado ficou com apenas 20%. Na verdade, para muitos analistas a situação já teria passado do ponto de não retorno.

Disso não tenho certeza e não partilho da ideia que o jogo já tem um final dado, embora os riscos estejam cada vez mais elevados, até porque o tempo da política é muito mais lento que o dos mercados e a região só tem se movido quando próxima do abismo (coisa que suspeito seja característica da maior parte dos sistemas políticos). A maior razão para isto é que acho que a elite europeia (política, econômica, intelectual) e mesmo boa parte da população, ainda vê que as vantagens do projeto europeu são muito mais elevadas do que o custo da dissolução, ainda que parcial, da zona do euro.

Por exemplo, uma saída da Grécia da zona do euro provocaria uma implosão da própria Grécia (fuga de capital, hiperinflação, quebra de bancos, moratória) e da própria Europa, via efeito dominó, como já foi colocado neste jornal pelo Prof. Eichengreen. Por outro lado, uma eventual saída da Alemanha resultaria numa brutal valorização do novo marco e a perda de toda sua vantagem comparativa e de seu motor de crescimento, que são as exportações. É só ver o que está acontecendo com a Suíça, onde a violenta valorização do franco está tornando impossível a produção de qualquer coisa naquele país. Muitas empresas já pensam em deslocar a produção para outros locais; a Novartis anunciou a dispensa de mais de 3.000 funcionários.

Existem quatro possíveis caminhos para a Europa (utilizo aqui um artigo recente do Prof. Roubini):

1)A Alemanha financia a Grécia para sempre. Evidentemente isso é infactível.

2) Todo o ajuste é feito pelos países devedores. Além de injusto (os países superavitários, especialmente a Alemanha, são beneficiários dos déficits de Grécia e outros), tal solução é evidentemente infactível politicamente e levaria a uma moratória geral e colapso financeiro. Por exemplo, as próprias previsões do FMI sugerem que o programa de ajuste levaria a quatro anos de queda no PIB (2010-2013) numa magnitude próxima de 20%, o que só acontece em situações de guerra, onde a força bruta impõe o desastre. Tudo isso para terminar devendo algo como 120% do PIB. A Alemanha deveria se lembrar das reparações a ela impostas pelos vencedores da Primeira Guerra Mundial, tendo a França à frente, que resultaram na hiperinflação de 1923. Na ocasião, Keynes criticou o tamanho da contração necessária por impossível, no que ficou conhecido na literatura como o "problema da transferência" (para quem tiver interesse, sugiro a leitura do fascinante As consequências econômicas da paz). Os países deficitários tem de fazer um bravo ajuste; entretanto, apenas isso não vai resolver a questão; ao contrário.

3) Monetização da dívida soberana pelo BCE mais ajuste fiscal generalizado nos devedores. Não é uma compra ilimitada, mas ajuda a aliviar a situação. A Alemanha é contra, evidentemente, mas é o que evita a implosão. É certo que, se o euro tem algum futuro, o BCE tem de ser mais agressivo.

4) Emissão de eurobonds mais ajuste fiscal nos devedores. Seria o caminho de longo prazo, mas toma tempo chegar lá. Basta pensar no tamanho do desafio político de enfrentar a perda parcial de soberania e as dificuldades em realizar mudanças no Tratado e nas Constituições.

Minha impressão é que estamos no cenário 3 (mitigado) caminhando muito lentamente para o 4, o que é insuficiente para o quadro atual.

Entretanto, a teimosia alemã está elevando rapidamente a possibilidade de um colapso. Os alemães são contra tudo, de um papel mais ativo para o BCE até a possibilidade de emissão de eurobônus. Se a Alemanha não for mais construtiva, o pior pode acontecer. Neste caso a Sra. Merkel e o público alemão vão pagar uma conta muito mais elevada do que aquela que estão tentando evitar.

Investimentos. Depois do último artigo aqui publicado ("O investimento perde o vigor"), saíram os dados mais recentes do Investimento Direto Estrangeiro, tal como registrado no balanço de pagamentos. O IED deste ano é recorde e atingiu US$ 56 bilhões líquidos, de janeiro a outubro.

Esse número pode ter criado alguma dúvida nos nossos eventuais leitores, pois como colocou um deles, podemos ter um recorde e uma perda de vigor?

Vale antes de tudo observar que o IED é um dado financeiro e o outro é real (máquinas, equipamentos e construções). O primeiro antecede em geral o segundo, e dele pode ser diferente por muitas razões, a saber:

A)Compra de ativos já existentes: é esse o destino da maior parte das entradas de capital e isso não eleva em nada a capacidade produtiva, embora possa fazê-lo depois. Consideremos, por exemplo, o caso do IED chinês: em 2010, 67% do total investido foi de aquisições de ativos já existentes.

B)Entrada de todo o recurso do projeto e liberação de gastos ao longo da construção, com o aproveitamento do resultado da aplicação do saldo de caixa, tudo estimulado pelos elevados juros locais. Conheço o caso de um projeto cujo custo final ficou em apenas 84% do orçado, como resultado do ganho financeiro.

C)Entrada do IED e posterior reprogramação do projeto físico.

D)Finalmente é possível existir entradas do IED disfarçado, ou seja, a constituição de empresas cujo objetivo é de apenas arbitrar juros, sem pagar imposto.

Portanto, é preciso ser cauteloso ao usar os dados do IED ou da soma de anúncio de novos projetos. Embora eles sejam poderosos indicadores ao longo do tempo, em prazos menores podem não se materializar em investimentos na mesma proporção. Consideremos o exemplo da Petrobrás: o plano estratégico foi revisado para baixo e ainda assim a companhia anunciou que não irá conseguir realizar o que estava programado para este ano, por dificuldades no fornecimento dos equipamentos. A redução dos gastos da companhia reflete-se naturalmente em toda a cadeia de fornecedores, como atestam alguns casos recentes como o da Lupatech.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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