Mas lei sancionada por Dilma não prevê criminalização, além de STF já ter julgado que Lei da Anistia atingiu todos
Evandro Éboli
BRASÍLIA. Antes mesmo da escolha dos integrantes da Comissão da Verdade, familiares de desaparecidos e entidades de direitos humanos já discutem os rumos que gostariam de dar ao grupo. Identificar, convocar e dar publicidade aos nomes de agentes do Estado que mataram, torturaram e desapareceram com militantes de esquerda durante a ditadura é o propósito maior desses militantes. Também é prioridade para setores do governo. O que os diferencia é a pretensão de familiares de levar à Justiça o resultado da apuração da comissão.
A lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff não prevê a criminalização desses agentes do Estado, mas os familiares acreditam ser inevitável que, revelados nomes de torturadores, eles sejam levados aos tribunais. Apesar desse desejo, o STF já decidiu que a Lei de Anistia impede condenações de responsáveis por violações de direitos humanos durante a ditadura.
Gilney Viana, coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos, defende a identificação dos agressores.
- Isso é óbvio. Esse é um ponto de que não se abre mão. Os casos serão individualizados. Não tem como fugir da identificação dessas pessoas. Os torturadores serão todos nominados e serão convocados. Mesmo que a comissão não queira, não vamos deixar - disse Viana.
A ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, lembra que a lei prevê a identificação e convocação dos torturadores.
- Sim, está na lei e vai ocorrer a convocação dessas pessoas. Não só isso, mas também o esclarecimento de circunstâncias em que se deram essas violações e a divulgação dos lugares onde ocorreram - disse a ministra ao GLOBO sexta-feira. - A presidente Dilma, pela sua vontade, está disposta a agir sem vacilações. Não vamos pecar pela omissão.
Viana cita casos que serão analisados, como o do líder estudantil Honestino Guimarães, que viveu na clandestinidade, foi preso, no Rio e em Brasília, e desapareceu, quando estava detido, em 1973. Outro alvo da comissão, para Viana, é a denúncia de que desaparecidos teriam sido enterrados na chamada Casa da Morte, em Petrópolis.
Os familiares começam a se mobilizar. Na quinta e na sexta-feira da semana passada, antigos militantes de esquerda, ligados hoje a comissões da Memória e Verdade, discutiram como atuar na Comissão da Verdade e se dividiram entre fazer indicações ou não ao governo de nomes para a comissão.
Maria do Rosário ouviu as queixas dos familiares e sugeriu que apresentem nomes. A ministra prometeu agendar encontro de um grupo deles com Dilma, que escolherá os sete integrantes da comissão.
- Estou à disposição para levar a ela todos os nomes e preocupações. É minha tarefa - afirmou.
Se militantes querem indicar nomes à comissão, outros querem vetar. No encontro, vários deles se mostraram contrários à possível nomeação do ex-vice-presidente Marco Maciel para a comissão. Seu nome tem sido citado como possível integrante.
- Quem foi cúmplice da ditadura não pode participar da comissão. É uma ofensa aos nossos mortos - disse o jornalista Antônio Carlos Fon, do comitê de São Paulo.
General critica Comissão da Verdade em seu Twitter
Para Iara Xavier, do Comitê de Memória e Verdade de Brasília e que teve dois irmãos mortos na ditadura, a prioridade da Comissão da Verdade são os casos de mortes e desaparecimentos.
- Do meu ponto de vista, dos familiares e da torcida do Flamengo. Uma vez identificado o torturador, o próximo passo é levá-lo à Justiça - diz Iara, que teve seu nome apresentado ao governo como possível integrante da comissão. - Nosso olhar vai ser para identificação dos autores. Estou orientando as famílias a pegar toda a papelada.
Os militares estão apreensivos, mas não tratam publicamente do assunto. A manifestação das Forças Armadas aparece sempre por quem não está na ativa. É o caso do general Augusto Heleno, ex-comandante da Amazônia e das tropas brasileiras no Haiti, hoje na reserva. No seu Twitter, ele critica a comissão: "A presidente Dilma declara: "o passado passou". E a Comissão da Verdade? Pra revirar o passado, só de um lado. Ou seja, revanchismo e incoerência."
"Como lembrança à Comissão da Verdade: no Brasil, nenhum grupo pegou em armas em defesa da Democracia e da Liberdade. Começa daí a mentira", também postou o general.
FONTE: O GLOBO
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