Sem maioria no Parlamento, premier italiano anuncia que deixará cargo
Na votação do orçamento de 2010, Berlusconi guarda suas anotações (à esquerda), nas quais chama de traidores os oito parlamentares da coalizão governamental que se abstiveram e diz que renúncia é solução
ROMA, NOVA YORK e RIO - Os mercados financeiros conseguiram aquilo que a oposição italiana nunca conseguiu: pôr um fim ao poder de Silvio Berlusconi. Ontem, com os títulos de dez anos do país perto do patamar que levou Grécia e Irlanda a pedirem ajuda financeira e amargando a perda da maioria na Câmara, Berlusconi admitiu deixar o cargo de primeiro-ministro. Mas avisou que isso só ocorrerá depois de que Parlamento aprovar as reformas econômicas que foram exigidas pela União Europeia (UE). A previsão é que essa aprovação ocorra até o fim deste mês. O premier afirmou que "coisas como quem comanda ou não o governo" importam menos que fazer "o que é melhor para o país".
A renúncia foi anunciada pelo presidente italiano, Giorgio Napolitano, e depois confirmada pelo premier. Os dois se reuniram depois da votação, na Câmara, das contas públicas de 2010, que haviam sido rejeitadas no mês passado. Elas foram aprovadas, mas somente graças à abstenção de 321 deputados, porque houve apenas 308 votos a favor, oito a menos que a maioria absoluta - a Câmara tem 630 assentos.
A oposição de centro-esquerda disse que se absteve para expor a fraqueza do apoio a Berlusconi, ao mesmo tempo em que assegurava a ratificação do Orçamento de 2010.
Após a votação, Berlusconi chegou a anotar em um papel que havia oito "traidores". Durante a sessão, o líder da oposição, Pier Luigi Bersani, pediu a renúncia do premier afirmando que a Itália corria o risco de perder acesso aos mercados financeiros devido à incerteza política.
- Eu peço, senhor primeiro-ministro, com todas as minhas forças, para finalmente levar em conta a situação e renunciar - disse Bersani.
"Grande demais para ser socorrida"
O premier também foi alvo de fogo amigo. Mais cedo, seu aliado Umberto Bossi, líder do partido Liga Norte, que faz parte da coalizão, disse que Berlusconi deveria ser substituído por Angelino Alfano. Este é o secretário do partido do premier, o Povo da Liberdade (PDL). Para a Liga, bem como para parte do PDL, uma troca dentro da coalizão seria melhor para os mercados que um governo de transição.
O premier disse ao Canal 5, de sua propriedade, que a única saída era convocar eleições. Napolitano disse que vai agora discutir a formação de um novo governo.
- A jornada política de Berlusconi chegou ao fim - disse à agência Bloomberg Alessandro Giansanti, estrategista sênior do Grupo ING. - A curto prazo, os mercados subirão se houver um novo governo. A médio prazo, eles precisam mostrar sua capacidade de fazer reformas.
O retorno sobre os títulos de dez anos da Itália voltou a subir ontem, atingindo um novo recorde: 6,77%, o maior patamar desde a criação do euro. O retorno é inversamente proporcional à procura pelos investidores. Quanto mais elevado, mais o país precisa pagar para se financiar nos mercados internacionais. A diferença entre os papéis italianos e alemães, referência na Europa, atingiu 497 pontos centesimais. O retorno do título alemão de dez anos é de 1,80%.
Segundo analistas, se os juros dos papéis italianos se mantiverem nesse patamar os cortes anunciados pelo governo para equilibrar as finanças perderão o efeito.
O segundo recorde consecutivo dos bônus italianos ressalta o temor dos mercados de que a Itália se torne uma nova Grécia. O maior problema é que a economia italiana é a terceira maior da Europa, e um pacote de ajuda exigiria muito mais recursos do que dispõe o fundo de resgate da UE. A dívida do país é superior a 1,8 trilhão.
Isso levou o premier da Finlândia, Jyrki Katainen, a alertar que a Itália é grande demais para ser socorrida.
- É difícil imaginar que nós, na Europa, tenhamos recursos para incluir um país do tamanho da Itália no programa de resgate - afirmou ele no Parlamento, em Helsinque.
A expectativa com a renúncia de Berlusconi já havia tido efeito positivo sobre as bolsas europeias, que fecharam ontem em alta. Milão avançou 0,74%, enquanto Frankfurt e Londres tiveram alta de 0,55% e 1,03%, respectivamente. Paris subiu 1,28%.
- As pessoas estão comprando ações da Itália porque esperam uma mudança no governo. Eu acho que o mercado vai saltar 10% quando ele (Berlusconi) sair - disse à agência Reuters um operador em Milão.
Em NY, bolsas e euro fecham em alta
As bolsas europeias já haviam fechado quando saiu a notícia da renúncia, mas Wall Street se beneficiou. O Dow Jones, principal índice da Bolsa de Nova York, fechou em alta de 0,84%. Nasdaq e S&P avançaram 1,20% e 1,17%, respectivamente. O euro teve valorização de 0,4% em Nova York, a US$1,3834.
A Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) também se recuperou no fim do pregão, mas não o bastante para evitar que o Ibovespa, seu índice de referência, fechasse em queda de 0,28%, aos 59.026 pontos. Na mínima do dia, registrou queda de 1,17%. O dólar comercial recuou 0,40%, a R$1,740, após cinco pregões seguidos de alta.
Entre as ações mais negociadas, Petrobras PN (preferencial, sem direito a voto) caiu 1,19%, a R$22,41, e Vale PNA perdeu 0,45%, a R$42,45. A maior queda do Ibovespa foi MMX Mineração ON (ordinária, com voto), de 3,76%. Na segunda-feira, após o fechamento da Bolsa, a mineradora divulgou prejuízo de R$243,2 milhões no terceiro trimestre.
Segundo o economista-chefe da corretora Gradual Investimentos, André Perfeito, o mercado desejava a saída de Berlusconi, que perdeu a credibilidade para enfrentar a crise das dívidas soberanas na Europa:
- Ele perdeu o cacife moral para lidar com os problemas econômicos.
Na avaliação do estrategista-chefe do banco WestLB, Luciano Rostagno, a situação na Europa é de impasse. Além da situação na Itália, investidores aguardam a confirmação definitiva do nome do novo primeiro-ministro do governo provisório da Grécia.
Mas os problemas da Itália não acabaram. A saída de Berlusconi não garante a aprovação das reformas que reduziriam o endividamento do país, estimulando seu crescimento. Devido às disputas políticas, será difícil para Napolitano formar um governo de transição.
Berlusconi e seus principais aliados argumentam que um governo de tecnocratas, como desejam os mercados, seria um "golpe" por ignorar o resultados das eleições de 2008, que deram o poder à centro-direita. Foi quando Berlusconi retornou ao comando do país. Ele já havia sido eleito em 1994 e 2001.
Berlusconi quer eleições antecipadas, mas oposição defende governo técnico
"The End". Assim, com letras garrafais, estampava em seu site o jornal italiano "Il Fatto Quotidiano", crítico ao governo. Mas a promessa de Silvio Berlusconi de renunciar após a aprovação de uma série de reformas - o que deve ocorrer em cerca de 20 dias - lança a Itália num período de incertezas sobre seu futuro político. Todos esperam agora uma decisão do presidente Giorgio Napolitano, que vai apontar o caminho para contornar essa crise política. Se depender de Berlusconi, que ontem perdeu a maioria absoluta na Câmara, as eleições antes marcadas para 2013 serão antecipadas. A oposição, no entanto, defende a criação de um governo técnico, com a figura do economista e ex-comissário europeu Mario Monti à frente. Esta opção é também a preferida de Napolitano, que vai discutir a possibilidade de formação de um governo de transição.
- Eu vejo apenas a possibilidade de novas eleições, mas quem decidirá é o chefe de Estado - disse Berlusconi.
Sobre a mesa, Napolitano tem basicamente quatro opções. A preferida pelo atual governo é a convocação de eleições antecipadas, garantindo que Berlusconi continue a comandar a centro-direita frente a uma oposição que não oferece alternativa clara para o cargo. O provável resultado nas urnas ainda é uma incógnita, mas analistas estimam que a principal perdedora nesse caso seria a própria Itália, visto que um processo eleitoral longo e custoso atrasaria uma série de decisões econômicas urgentes que estão na pauta do país.
- Normalmente fragmentada, a oposição mostrou força hoje (terça) - disse o jornalista político Luca Gelmini, do "Corriere della Sera". - Eles tinham força para bloquear a aprovação das contas de 2010 na Câmara, mas julgaram que se tratava de uma responsabilidade nacional, e decidiram se abster, mostrando simbolicamente seu poder.
Se depender da oposição, a Itália caminha rumo a um governo comandado por tecnocratas, capazes de aprovarem medidas para tentar remediar a crise sem se preocupar com reeleição. Outra opção é um governo de união. Porém, após anos de polarização política, a oposição dificilmente aceitaria governar ao lado do partido de Berlusconi. Caso a coalizão do governo consiga inverter a situação atual e reconquistar deputados que migraram para a oposição, a direita poderia continuar no comando.
FONTE: O GLOBO
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