Como manchete principal, o jornal Valor informou na terça-feira que o Tesouro Nacional estuda novos aportes ao BNDES. As grandes dimensões e a forma como aportes desse tipo ocorreram nos últimos anos justificam o destaque. Segundo a matéria, o BNDES teve dessa fonte R$ 22,8 bilhões em 2008, R$ 100 bilhões em 2009, R$ 105 bilhões em 2010 e R$ 55 bilhões em 2011, dos quais R$ 10 bilhões ainda por liberar.
Quanto à forma, levanta sobrancelhas. Sem essa dinheirama, o Tesouro fez empréstimos que pagam juros mais altos que os cobrados pelo BNDES ao financiar. A diferença vem porque o Tesouro paga a taxa básica de juros, que até ontem estava em 11% ao ano. No BNDES o dinheiro vai para financiamentos à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 6% ao ano.
A conta do prejuízo vai para os contribuintes, que, em lugar de encontrar tesouros como esse subsídio na praia das finanças federais, nela são abordados pelo Tesouro para pagarem a diferença. E não há excluídos dessa cobrança, pois neste país mesmo mendigos pagam muito imposto, dada a pesada carga tributária que onera bens e serviços que adquirem. Quanto a quem leva o subsídio do BNDES, predominam grandes empresas, cujos acionistas estão mais no alto da escala de rendimentos. Noutro contraste, como proporção do que ganham, pagam menos impostos do que quem está lá embaixo. Ademais, com o esquema o governo amplia sua dívida bruta, também um parâmetro de sua saúde financeira.
O governo defende-se com vários argumentos, como o de que é indispensável ele atuar no financiamento de longo prazo, já que os bancos privados não se interessam por isso. Alega também que sua atuação teve de ser ampliada quando a economia brasileira sofreu com a eclosão da crise econômica mundial em 2008. E pondera que investimentos para elevar a capacidade produtiva do País são hoje muito baixos como proporção de seu PIB, menos de 20%. Como resultado, nosso PIB cresce pouco e ficamos a admirar China e Índia, onde ele cresce bem mais e essa proporção está perto de 40% e 30% respectivamente.
Há também um estudo do Ipea (Texto para Discussão n. º 1.665, disponível em www.ipea.gov.br) que, num exercício baseado em hipóteses e procedimentos econométricos, conclui que por conta dos benefícios trazidos pela citada parceria haveria um ganho fiscal líquido de R$ 100 bilhões para o Tesouro. Esse estudo ainda precisa passar pela peneira das pesquisas acadêmicas, onde já começa a ser contestado (veja-se artigo de Márcio Garcia, Valor, 21/12/11).
Como me preocupo quase obsessivamente com a necessidade de aumentar investimentos como proporção do PIB no Brasil, farei algumas observações que apertam a malha dessa peneira e ressaltam a necessidade de estudo do qual essa discussão ainda é carente. E ainda apontarei formas alternativas de ampliar investimentos, em particular os do próprio governo.
Nessa linha, nota-se que, apesar do grande valor dos referidos financiamentos, não há notícia de que os investimentos do País tenham tido elevação correspondente. Tomando os números citados, e avaliando-os como proporção do PIB observado em cada ano, sem contar 2011, chega-se ao total de 0,66% do PIB. Admitindo que investimentos gerariam outros na cadeia produtiva, como os de fornecedores, pode-se admitir, grosso modo - e apenas com o intuito de fomentar a discussão -, que o total de investimentos chegaria perto de 1% do PIB. Entretanto, a taxa média de investimentos da economia brasileira subiu de 16,5% do PIB no período 2000-2007 para 19,1% em 2008 - quando o programa teve um modesto início de 0,007% do PIB -, mas caiu para 16,9% em 2009 e ficou em 18,4% em 2010.
Pode-se argumentar que na ausência da parceria Tesouro-BNDES essa taxa seria ainda menor e que os investimentos não se concluem em prazo curto. Mas para analisar seu impacto com maior propriedade há uma questão importantíssima a responder, a de saber se empresas financiadas deixaram de investir com recursos próprios, ficando mais líquidas - o que é particularmente atraente em tempos de crise -, e passaram a investir com os do BNDES, sem maior efeito destes sobre seus investimentos efetivos. Na área acadêmica se diz que onde há uma pergunta há uma tese, e espero que alguém se disponha a elaborá-la
Quanto a alternativas a esse modo de agir da parceria Tesouro-BNDES, entendo que esses e outros custos e distorções a que leva são suficientes para recomendar sua descontinuidade. Ao governo cabe fazer com que o mercado de capitais extrabancário passe a ser mais utilizado pelas empresas nos seus financiamentos, com oferta de ações, debêntures e outras formas de participação a investidores, e sempre de olho na democratização delas.
Ademais, qualquer que seja a fonte, financiamentos via BNDES e os que venham com essas mudanças não devem ser alternativa à necessidade de o governo federal ampliar seus próprios investimentos, como na carente infraestrutura do País. Mas aí há a reduzida dimensão do seu PAC e as dificuldades de tocá-lo, de que a interrupção das obras da transposição do Rio São Francisco é emblemática.
Um caminho para estadistas seria o de conter os demais gastos federais para ampliar investimentos, de tal forma que o déficit orçamentário final decorresse apenas deles. E, na execução, procurar bem mais "parcerias republicanas" com Estados e municípios, que têm maior capacidade de realizar obras onde atuam.
Esse rumo seria mais adequado para avaliar o desempenho orçamentário do governo federal do que essa conversa fiada de cumprir metas anuais de superávits primários (receita menos despesas, exceto juros). Estes se explicam mais pela ampliação da carga tributária do que por um efetivo esforço governamental de contribuir para a saúde de suas finanças e para o crescimento econômico do País.
*Economista (UFMG, USP, HARVARD), professor associado, à FAAP, é consultor econômico, de ensino superior
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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