Como e por que uma massa de milhões atravessou dez anos desconhecida até surgir por um acaso?
Tão estarrecedora quanto os montantes de "movimentações atípicas" no Judiciário, sejam de juízes ou de outros servidores, há uma questão relevante ainda por entrar no debate do caso. Os R$ 855 milhões movimentados, conforme uma das cifras mais citadas, começa sua misteriosa existência em 2002.
Como e por que a massa de milhões veio desde o governo Fernando Henrique, atravessou 10 anos, desconhecida como um ratinho do Senado, até surgir por um acaso como ele só foi traído por um irresistível pé feminino?
A administração pública é dotada de um Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf_-cuja existência é, por si só, um bom sinal da moralidade vigente. Admita-se que essa espécie de raios-X permanente dos bolsos alheios tenha observado as movimentações, lá atrás. E, depois de confrontadas saídas de dinheiro ali e entradas acolá, que essa é a finalidade básica do Coaf, passasse as respectivas informações "a autoridades", como diz seu diretor.
E depois? Depois, desce o mistério que se arrisca a confundir-se com acobertamento e complacência. Se todas as centenas de milhões correspondessem a movimentações legítimas, a omissão de informações públicas seria cabível. Sabe-se, porém, que nem sempre foi e é assim.
O episódio quase recente, por exemplo, de um juiz de alto tribunal que vendeu sentenças resultou em notícias, mas por iniciativa de juízes revoltados com a conduta do colega. Caso se presuma que o Coaf constatara suas "movimentações atípicas", a dedução é a da inexistência, daí para a frente, de informações que demonstrem ao país a defesa do interesse público e da moralidade do Estado.
É mais uma distância entre o Poder e os cidadãos. Parte do fosso entre a sociedade e a democracia.
MELHOR
Por falar em Judiciário, a essência das modificações propostas no e para o Conselho Nacional de Justiça é um avanço democrático, que só por efeito colateral diminui um outro poder do presidente do CNJ, Cezar Peluso.
Uma comissão de conselheiros, em lugar do presidente, para fiscalizar a transparência dos tribunais regionais é um avanço funcional e democrático. Escolher o secretário-geral do CNJ por eleição pelos conselheiros, idem. Não há motivo para a movimentação típica em torno desse assunto.
CULTURA, SIM
Ainda não sei qual é a política cultural do Ministério da Cultura. Nem consegui saber nos outros governos, é verdade. Além disso, é duvidoso que a ministra Ana de Holanda saiba o que é a Camões, uma preciosidade que se passa por livraria, em um ponto discreto no centro do Rio.
Há bastante tempo, perdeu-se a Livros de Portugal, esplêndida no acervo e na simplicidade. Até o final deste mês, é a Camões que se vai. Não sei qual é a política do Ministério da Cultura, mas não há dúvida de que impedir o fim da Camões, por quase nada, é uma dívida de qualquer política cultural.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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