A queda de meio ponto percentual na taxa de juros já era esperada, a grande dúvida é o que acontecerá nas próximas reuniões. Entre os especialistas, a pergunta feita é se haverá apenas mais uma queda de meio ponto ou se os cortes continuarão até 9% de taxa de juros este ano. A interpretação feita ontem à noite é que os juros vão cair novamente em março.
A dúvida ontem no mercado era apenas sobre o texto do comunicado. A decisão foi unânime e o texto foi o mesmo da última reunião, indicando que o BC derruba os juros para neutralizar o efeito da crise internacional. Diz ainda que derrubando os juros no tempo certo, como tem feito, conseguirá levar a inflação para o centro da meta este ano.
A inflação terminou o ano passado na medida exata que o BC precisava para não ter que passar pelo constrangimento de escrever uma carta pública explicando o descumprimento. Tanta coincidência pareceu curiosa. Mas ela ficou dois pontos acima da meta. Não foi um bom desempenho.
O índice deve cair nos próximos meses. Uma parte será apenas efeito estatístico das mudanças de metodologia do IBGE, que diminuiu o peso de alguns itens, como educação. Outra será efeito defasado do aperto monetário dado pelo Banco Central no ano passado, quando a inflação bateu no pico de 7,3%. Um terceiro fator é que as tarifas públicas serão corrigidas com percentuais menores. Os IGPs, que em 2010 ficaram em torno de 11%, fecharam 2011 em torno de 5%, o que reduz a alta das tarifas.
Os gastos públicos vão ser afetados negativamente, mas a demanda será puxada pelo aumento do salário mínimo de 14%. Por um lado, ajuda a recuperação da atividade, que chegou a zero no terceiro trimestre e se recuperou um pouco no quarto. Por outro, impacta as contas previdenciárias.
Dentro do governo há um debate, como contou esta semana o "Valor Econômico", sobre se deve ou não ser cumprida a meta cheia do superávit primário. Curioso o adjetivo, porque meta é meta. A invenção do conceito "cheia" vem dos truques contábeis, desrespeitosos à inteligência alheia, que o governo usou em 2010 para fazer de conta que cumpriu o que descumpriu.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, interlocutor privilegiado da presidente da República, estaria defendendo o aumento do investimento, o que poderia levar ao descumprimento da meta. No ano passado, de fato, o investimento foi a variável de ajuste. Foi lá que se cortou, repetindo o erro de anos anteriores.
Ninguém tem dúvidas de que o país precisa investir mais, e o ideal é que os investimentos fossem no que o país mais precisa. O risco é continuar a opção por projetos aos quais se concede cada vez mais subsídios governamentais, como o trem-bala.
Se o governo optar por não cumprir a meta, o Banco Central terá menos espaço para derrubar a taxa de juros. Se o cenário externo se agravar, o ideal seria liberar mais estímulo monetário. Como fazer isso, num quadro de expansão do gasto público, sem afetar a inflação? É a pergunta que o BC terá que se fazer, se quiser cumprir seu compromisso de chegar ao fim de 2012 com a inflação no centro da meta.
Há uma anomalia que se perpetua no governo brasileiro. O Tesouro está entrando no quinto ano em que financia o BNDES com empréstimos tomados no mercado. O banco, que sempre foi financiado pelos retornos dos empréstimos e pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, tem recebido desde 2008 novas injeções de recursos, que já chegam à espantosa cifra de R$307,2 bilhões. Como o governo apresenta as transferências como sendo empréstimo, o gasto não é contabilizado como gasto, e vira um ativo. Criou-se a anomalia de um gasto invisível. Também não se registra o custo pela diferença entre a taxa de captação e a taxa cobrada nos créditos concedidos. Esse retrocesso no processo da contabilidade pública repete distorções do passado das quais o Brasil se livrou com dificuldade.
A situação internacional, que o Banco Central tem acompanhado muito bem, tem produzido seguidas surpresas ruins. O alerta feito ontem pelo Banco Mundial diz tudo. "Os países emergentes devem esperar pelo melhor e se preparar para o pior", disse Andrew Burns, chefe de macroeconomia do Banco. Ele está prevendo uma queda do crescimento mundial aos níveis de 2008-2009. Isso é mais uma razão para que o BC tenha espaço para derrubar ainda mais a taxa de juros.
Desde a última reunião do Copom houve sinais contraditórios no cenário internacional. Houve o rebaixamento da nota de crédito da França, de outros oito países e mais a do fundo de resgate. Por outro lado, alguns dos países europeus conseguiram captar recursos a taxas menores que antes, e ontem o FMI acenou com a possibilidade de integrar mais fortemente o esforço europeu para o saneamento financeiro da região.
A taxa de juros deve cair também na próxima reunião, pelo que se pode entender do comunicado. Novas quedas dependerão da situação internacional, do espaço fiscal e do comportamento da inflação.
FONTE: O GLOBO
Nenhum comentário:
Postar um comentário