A Prefeitura de São Paulo tornou-se um dos postos mais cobiçados do país para os partidos brasileiros. Vários deles querem lançar candidatos, num número inédito, e propostas de alianças são feitas por todos – e para todos – os lados. Os dois principais polos do sistema político, PT e PSDB, estão gastando todas as suas energias e envolvendo suas lideranças mais expressivas nessa disputa. Há chances de haver mais uns cinco candidatos de legendas importantes, incluindo aí o PMDB, praticamente ausente das últimas eleições na capital paulista. Tanto interesse desperta duas perguntas. Primeira: qual é o sentido de tanta cobiça por esse cargo? E segunda, e não menos relevante: que projeto de cidade está em jogo?
A primeira questão conduz a respostas mais claras a respeito de projetos de poder. Tanto petistas como tucanos pensam que a disputa pela prefeitura é uma prévia para a eleição a governador, em 2014. O PT quer destronar o PSDB de seu domínio por quase 20 anos no Estado. Os pessedebistas querem manter essa estrutura tão importante para a sobrevivência do partido, sobretudo se tiverem uma nova derrota no pleito presidencial. O PMDB enxerga numa possível – e inédita – vitória na cidade de São Paulo uma forma de reconstruir sua força no plano estadual e, especialmente, ganhar um poder maior de barganha na coalizão nacional com o petismo, garantindo a posição de vice numa bem provável candidatura da presidente Dilma à reeleição.
Entre os partidos médios e pequenos, a lógica do poder também é bem nítida. PCdoB, PDT, PRB e outros que fazem parte do governismo no plano federal pretendem lançar candidatos para tentar mostrar ao PT, com quem se aliaram numa convivência recente cheia de conflitos, que merecem receber maior atenção do que têm tido ultimamente. Ainda é possível vislumbrar nessas possíveis candidaturas uma forma de fixar nomes – talvez até ideias – num território político com muitos votos para eleições proporcionais.
A posição estratégica do prefeito Gilberto Kassab passa por duas questões. Uma é apoiar não só quem tenha maiores chances de vencer, mas, principalmente, obter do vencedor um compromisso de não pôr a gestão Kassab, agora e no futuro próximo, na berlinda. Se a eleição paulistana for vencida por um opositor claro ao governo Kassab, seu poder de barganha no xadrez político estadual e nacional diminuirá muito. O atual prefeito não está lutando para fazer seu sucessor. Sua meta é evitar que um inimigo político tome seu posto.
Soma-se a esse objetivo a pretensão de obter um espaço político, pós-eleições municipais, que permita a Kassab continuar como líder partidário influente com Dilma e, especialmente, ser uma peça-chave na próxima eleição estadual. Ele pode concorrer ao Senado, ser vice, ou, na hipótese menos pretensiosa, conquistar uma vitória estrondosa para a Câmara Federal. Qualquer coisa menor do que isso será uma derrota para alguém que, inesperadamente, construiu uma legenda que desorganizou a oposição no plano nacional e construiu uma via pró-Dilma por fora da coalizão governista. Kassab se tornou o jogador mais imprevisível e habilidoso do sistema político em 2011.
Ainda no plano das lideranças, o ex-presidente Lula e, com menor intensidade, o governador Alckmin são atores centrais na eleição paulistana. Lula porque atuou fortemente para lançar um candidato sem experiência eleitoral, que traz uma imagem nova para o PT, contra a vontade da principal política local, a ex-prefeita Marta Suplicy. Alckmin, até agora, não entrou com tudo na disputa. A própria montagem das prévias revela que não há um ator hegemônico no PSDB. Ele sabe que uma derrota estrondosa para o petismo pode ser a maior ameaça a seu projeto de reeleição. Diante dessas duas situações, Alckmin tenderá a ser mais ativo e incisivo quando o nome tucano for definido.
Um ator relevante poderá aparecer no último ato: o ex-governador José Serra. Ele já está acostumado a se colocar como candidato no minuto final e, novamente, o PSDB não tem segurança sobre as chances eleitorais dos nomes apresentados até agora. Serra foi prefeito, tem um recall muito forte na cidade, mas agora sua taxa de rejeição é altíssima. Se for concorrente e vencer, pode dar adeus à eleição presidencial. Se perder, entra para a segunda divisão dos políticos brasileiros. Não é uma escolha fácil nem para Serra nem para seu partido.
Desenhado o cenário e definidos os atores, falta o mais importante: saber quais serão suas falas. Claro que a mise-en-scène é sempre importante no teatro da política, pois o público também é cativado pela encenação. Mas o futuro da cidade exige algo mais. Nomes e projetos de poder estão na mesa, num processo de negociação e disputa. Mas ainda não se disse quais são os planos dos partidos e candidatos para melhorar a gestão pública da maior cidade brasileira.
Comecemos pela relação entre os possíveis concorrentes, com suas alianças e bases de apoio, e sua posição diante do governo municipal atual. Evidentemente será muito difícil para o PSDB se colocar como a "maior oposição ao prefeito Kassab". Por vias tortas ou não, os tucanos foram peça-chave da prefeitura paulistana nos últimos oito anos – e os nomes do alto escalão estão aí para quem quiser ver. Para se transformar em oposicionistas, teriam de ter mudado de lado muito antes. E, mesmo que tentem convencer os eleitores de sua nova posição, fica a pergunta: no que seria diferente a visão de cidade tucana em comparação com o modelo político-administrativo vigente?
A confusão entre projeto de poder e projeto para a cidade também bateu à porta do PT. Como justificar a oposição feita ao prefeito Kassab nos últimos oito anos? Decerto podem ser encontrados pontos em comum, mas, analisando um só aspecto caro ao petismo paulistano, fica a pergunta: qual é a avaliação que farão do setor de transportes municipais nos últimos oito anos?
Em menor grau, tais indagações podem ser colocadas para os outros candidatos, uma vez que quase todos os partidos apoiaram o prefeito Kassab, cuja vice veio do PMDB. A única forma de sair dessa armadilha é apresentar um projeto claro para modernizar São Paulo. Terão de dizer o que farão com as arcaicas subprefeituras, como implantarão carreiras meritocráticas em setores estratégicos do serviço público, que formas de participação cidadã serão incorporadas à governança local, quando e de que maneira implantarão um planejamento estratégico eficaz para a cidade, qual será o projeto para o centro e as periferias urbanas da metrópole, para ficar em alguns do temas mais candentes. Se esse roteiro não for apresentado, e logo, aos eleitores, todo o jogo político dos últimos meses será apenas um teatro de sombras.
Fernando Abrucio é doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas (SP)
FONTE: REVISTA ÉPOCA
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