quinta-feira, 8 de março de 2012

Recuperação retardada:: Vinicius Torres Freire

Número horrível de janeiro deve estimular o governo a colocar mais esparadrapos em setores da indústria

Rumores rumorosos E declarações enfáticas da presidente e seus ministros indicam que o governo pretende remediar dores da indústria com transferências de renda pontuais e emergenciais. Quer dizer, o governo deve tomar providências que no fim das contas transferem renda do consumidor e de impostos para setores industriais.

O resultado da produção industrial de janeiro, pavoroso, deve ter assanhado tais pensamentos.

Do que se trata?

O câmbio está ruim para muito produtor nacional, o real está forte, produtos brasileiros ficam caros. O governo avisa que tem um "arsenal infinito" para desvalorizar o real.

Digamos que tenha. Por vários caminhos, o real desvalorizado encarece os produtos aqui no Brasil, para o consumidor final (começando por barrar a competição externa).

Além do câmbio ruim, falta mercado lá fora (o mundo anda devagar) e, pois, os preços estão baixos; há o subfaturamento de exportações de empresas de outros países (que querem desovar seus estoques).

O governo promete então mais medidas de proteção contra importados, o que enfim encarece os produtos aqui dentro, outra vez. Ou reduz os impostos para este ou aquele setor da indústria.

Se funcionarem, tais providências tendem a melhorar a rentabilidade de alguns setores da indústria, ao custo de alguma inflação e "gasto" extras.

Em certas condições, manter uma indústria grande e diversificada pode ser de interesse geral. Tentar fazê-lo apenas por meio de medidas pontuais e de curto prazo custa caro e não resolve nosso problema.

Pior ainda é que talvez a preocupação mais imediata do governo nem seja a de criar condições para a indústria sobreviver, ser mais produtiva ou "competitiva". Mas apenas de agregar mais meio ponto percentual no crescimento do PIB.

Decerto a economia mundial vive tempos bem extravagantes, que redundam numa taxa de câmbio muito ruim para parte relevante da indústria brasileira. Além do mais, não se resolvem do dia para a noite problemas como energia cara, transporte caro e ruim, burocracia e impostos excessivos (e ruins) ou escassez e carestia de mão de obra.

Porém, ainda que seja aceitável o argumento da emergência e da excepcionalidade destes tempos na economia mundial, não existe urgência no tratamento dos problemas "estruturais".

Do que se trata?

O governo não vai investir mais e/ou reduzir impostos e/ou reduzir sua dívida de modo relevante se a maior parte do aumento da receita federal for gasta em transferências sociais de renda e despesas correntes (salário, máquina), como acontece faz tanto tempo, décadas.

O governo não vai aumentar o investimento em infraestrutura na rapidez necessária, pois não tem dinheiro, competência e, "naturalmente", é mais lerdo, dados os obstáculos da administração e do direito públicos. Precisa privatizar. E transferir a atuação do Estado para outros lugares, novos (ciência, tecnologia). Precisa "sair da frente", limpando a burocracia. Etc.

Sem mudança, "reformas" ("liberais" e "desenvolvimentistas"), ficaremos atolados nessa discussão de "meio ponto" (de PIB, de juros, disso, daquilo), em discussões dramáticas de medidazinhas pontuais.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Nenhum comentário: