Atingida pelo escândalo da descoberta do esquema mafioso de Carlinhos Cachoeira, a empreiteira Delta, campeã de obras no PAC, entrou em rota para o colapso. Sem crédito nos bancos, a empresa começou a repassar contratos - o de participação na reforma do Maracanã foi um deles -, e tornou-se questão de tempo a falência. Sem credibilidade junto a bancos e governos não há empreiteira que resista. A surpreendente decisão do grupo J&S de comprar a construtora poderia ser motivo de alívio, por salvar empregos. Mas gerou problemas para o governo federal, ao levantar suspeitas de envolvimento político em um negócio que teria sido desenhado, acusa-se, para salvar o dono da empreiteira, Fernando Cavendish.
Fosse uma decisão empresarial de mercado, não haveria qualquer desdobramento no mundo político, como aconteceu. Os indícios de envolvimento oficial existem: a holding J&S, além de ter crescido sob o impulso do BNDES, na política de criação de "campeões nacionais", tem como principal ativo o frigorífico JBS, do qual o banco estatal detém 31,4%.
O BNDES garante não ter qualquer participação na iniciativa do J&S de absorver a Delta e ainda aceitar administrar a empresa antes de qualquer auditoria interna - raridade no mundo dos negócios. O Palácio, por sua vez, em nota, tachou de "falsas as ilações de que a referida operação teve aval deste governo". Garantiu não interferir em operações privadas. Lembrou, ainda, que a Controladoria-Geral da União (CGU) audita os contratos da Delta e pode declará-la inidônea para fazer negócios com o poder público.
Consta que a presidente Dilma estaria contra a interferência oficial no imbróglio, e ontem foi incentivada pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) a manter o Estado ao largo: "É vigarice pura." Pode ser ou não. Mas tudo indica ser a decisão mais sensata para o governo.
A operação se candidata a ser exemplo de distorções causadas toda vez que o Estado resolve interferir no mercado privado a fim de induzir o crescimento de empresários escolhidos para serem os tais "campeões nacionais". No setor de frigoríficos, agora em destaque devido à polêmica em torno da Delta, o BNDES já empatou - e perdeu - dinheiro público.
Nos últimos 30 anos fortaleceu-se no Brasil, ao lado do grande aparato financeiro estatal, um forte braço sindical envolvido em bilionários investimentos, os fundos de pensão de estatais. Previ, Petros e outros atuam no alto mundo dos negócios, algumas vezes juntos com o BNDES. A escolha dos investimentos não é transparente, até porque os fundos, por lei, são entidades privadas. E o BNDES, por sua vez, não se notabiliza por ser translúcido. Se todo este cenário for analisado de um plano mais elevado, constata-se que há no Brasil instrumentos para a prática daquilo que os americanos chamam de crony capitalism, capitalismo entre amigos ou, mais adequado para o Brasil, "capitalismo de companheiros".
O Ministério Público Federal do Rio deseja barrar o negócio, porque há evidências de fraudes cometidas pela Delta no relacionamento com Cachoeira. O mesmo pedido é feito pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) à Procuradoria-Geral da República. Falta mesmo projetar luz sobre toda esta história.
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