Não é possível garantir que tenha sido assim, mas há quem aposte que o objetivo principal da campanha de redução dos juros que o Palácio do Planalto desencadeou contra os bancos privados era criar um clima político que favorecesse a mudança das regras das cadernetas de poupança sem desencadear grandes protestos na população, como aconteceu em 2009 quando o presidente Lula, também muito popular, teve que desistir das mudanças.
De resto, brigar pela redução dos lucros dos bancos sempre é uma disputa muito popular.
Teria sido uma notável jogada política da presidente Dilma, que precisaria mudar as regras da poupança para continuar com a redução da taxa Selic.
Tanto é assim que em 2009, quando a Selic estava em 8,75%, portanto já abaixo dos níveis atuais, Lula viu que chegara a hora de mexer na poupança mas, em nenhum momento, nem ele nem o mesmo ministro da Fazenda, Guido Mantega, esboçaram uma campanha contra os spreads bancários, independentemente do fato de serem escorchantes.
Pelas novas regras, o rendimento da poupança será reduzido sempre que os juros básicos da economia atingirem patamar igual ou inferior a 8,5%, remunerando a caderneta em 70% da taxa Selic. A partir dessa regra, o Banco Central ficará liberado para cortar os juros sem transformar a poupança num investimento mais atraente para os grandes investidores, prejudicando os fundos.
O ambiente político está tão mais favorável ao governo hoje que o oposicionista PPS, que fez uma campanha escandalosa na televisão, comparando a mudança na poupança de Lula com o confisco promovido nas finanças populares por Collor, hoje protesta bem mais moderadamente.
Em 2009, um anúncio na televisão dizia que o governo "vai mexer na poupança como Collor", embora apenas os rendimentos fossem afetados pela cobrança de imposto de renda, sem confisco dos depósitos existentes.
Uma diferença fundamental, que fez com que a denúncia do PPS tenha sido tratada pelo próprio presidente Lula como "irresponsável" e "insana".
Mas também o presidente Lula, ao anunciar que o governo mexeria nas regras da poupança, disse que assim agia "para proteger o pequeno poupador", distorcendo a situação e tentando amenizar as críticas dos depositantes das cadernetas de poupança.
Desta vez, o deputado Roberto Freire, presidente do PPS, colocou-se contra a medida, que, para ele, poderá resultar em "graves prejuízos" aos poupadores das classes populares, em benefício do setor financeiro.
Também o senador tucano Álvaro Dias acusou o governo de estar atuando como "um Robin Hood às avessas, retirando de pequenos poupadores para preservar os poderosos. O porto seguro das pequenas economias pagará o pato da guerra santa deflagrada pela presidente Dilma, que, pelo jeito, não mostra coragem para mexer no que realmente interessa: tributos e ganhos de bancos".
O projeto de Guido Mantega era cobrar Imposto de Renda de todos os depósitos em poupança que ultrapassassem os R$ 50 mil, o que, diziam, representava uma parcela ínfima dos poupadores.
Mas a reação foi tamanha que o então presidente Lula teve que recuar. Na versão de Dilma, a caderneta continua sendo uma aplicação livre de impostos, e as mudanças só afetam as novas poupanças e os depósitos feitos a partir do anúncio da medida, evitando-se assim a acusação de quebra de contrato dos poupadores antigos, que continuarão a ser remunerados como sempre foram.
Essa é uma diferença básica, que enfraquece muito as críticas oposicionistas. Em 2009, o então deputado do PPS Raul Jungmann, autor da denúncia de que o governo iria "mexer na poupança", levantava uma questão importante, que ainda é válida hoje: por que o governo não deixa o mercado se ajustar, obrigando os bancos a reduzir as taxas de administração dos fundos de renda fixa, que podem chegar a até 4%, em vez de apenas reduzir os ganhos da poupança?
De qualquer maneira, tenha tido intenção ou não, o certo é que a presidente Dilma conseguiu montar uma estratégia que aparentemente levará a uma mudança na remuneração da caderneta de poupança sem provocar grandes traumas, inclusive porque teve o cuidado de só mexer nas novas cadernetas e nos novos depósitos.
Uma das principais preocupações dos políticos da base aliada, por sinal, foi a maneira de comunicar essa delicada decisão. Houve uma recomendação generalizada de não se falar em "mexer na poupança", para evitar mal-entendidos.
Colocando diante da população a redução dos ganhos da poupança como medida indispensável para que venhamos a ter taxas de juros "de Primeiro Mundo", o governo conseguiu um marketing político vencedor.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, já tem uma estratégia montada para o caso de a CPI do Cachoeira resolver insistir na sua convocação para depor.
Ele já acertou com os ministros do Supremo Tribunal Federal uma liminar para respaldar sua ausência, mantendo assim a garantia de que poderá ficar distante dos debates da CPI para exercer seu papel constitucional.
Uma outra alternativa que chegou a ser debatida foi a de ele comparecer, mas se manter em silêncio, alegando a impossibilidade de depor.
Mas ponderou-se que, diante do que está sendo considerado uma "afronta" ao Judiciário, o melhor seria não colaborar para esticar demais a corda.
FONTE: O GLOBO
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