O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) foi beneficiado com a redução de um terço de sua pena por ter sido o delator do esquema. Em 2005, ele revelou a existência de Marcos Valério, operador do mensalão, e os pagamentos a políticos da base do governo. Foi condenado a 7 anos e 14 dias, em regime semiaberto
Ao final de 49 sessões em quase quatro meses de julgamento, o Supremo Tribunal Federal encerrou ontem a fixação das penas dos 25 réus condenados pelo escândalo do mensalão. O delator do esquema, o ex-deputado Roberto Jefferson, foi punido com 7 anos e 14 dias de prisão — escapando do regime fechado por ter denunciado a compra de votos. Até agora, 13 réus cumprirão pena em regime fechado, inclusive o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP), cuja pena foi definida também ontem em 9 anos e 4 meses de prisão. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, apontado como mandante do esquema, também ficará em regime fechado. A maior pena é a do operador do mensalão, Marcos Valério, condenado a mais de 40 anos.
Faltam alguns ajustes nas penas, que serão feitos a partir da semana que vem, quando o tribunal decidirá se a condenação implica perda automática de mandato dos parlamentares ou se isso depende de votação da Câmara. Num julgamento histórico, as decisões do STF, tomadas em sessões transmitidas ao vivo, abriram caminho para novas condenações por corrupção. Os magistrados adotaram interpretações novas, como o fim da exigência de que o servidor público acusado de receber propina tenha consumado o chamado ato de ofício para pagar o favor. O julgamento marcou a ascensão de Joaquim Barbosa, relator do processo, que se tomou o primeiro negro a presidir a Corte.
No outro escândalo de corrupção do momento, e-mails obtidos pela Polícia Federal mostram que Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas indiciado por coordenar esquema de venda de pareceres técnicos de órgãos federais, redigiu para o ex-advogado-geral adjunto da União José Weber Holanda um texto que beneficiava o ex-senador Gilberto Miranda
De próprio punho
Parecer da AGU
favorável a projeto de interesse privado foi redigido por Paulo Vieira
Thiago Herdy, Marcelle
Ribeiro
Solicitação. Weber,
da AGU, nega corrupção e diz ter atendido a um pedido de Vieira
SÃO PAULO Apontado
pela Polícia Federal como chefe da quadrilha desbaratada na Operação Porto
Seguro, o ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) Paulo Rodrigues Vieira
redigiu para o então advogado-geral adjunto da União, José Weber Holanda,
parecer em que a Advocacia Geral da União (AGU) facilita o reconhecimento de
utilidade pública para fins privados, com supressão de Mata Atlântica, da Ilha
dos Bagres, em Santos (SP), projeto de interesse do ex-senador Gilberto
Miranda.
O parecer resolvia
divergências internas do governo federal quanto ao assunto, trazendo para a
responsabilidade do advogado-geral da União o papel de mediar o assunto e
propor que a decisão final sobre a questão da utilidade pública fosse
restringida aos ministros de Estado e ao governador de São Paulo. Gravações
obtidas pela PF apontam que autoridades já apoiavam o empreendimento na ilha.
O parecer foi
assinado pelo consultor-geral da União, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, e
chancelado pelo advogado-geral Luís Inácio Adams. A publicação e o envio do
parecer às representações da AGU ocorreram na segunda-feira, 19 de novembro,
cinco dias antes da deflagração da Operação Porto Seguro. Ontem, Adams disse ao
GLOBO que determinou a suspensão do parecer após a descoberta pela PF de que o
documento havia sido produzido com a participação de Paulo Vieira.
- Esse parecer foi
suspenso na última segunda-feira. Não que eu achasse que o conteúdo era errado,
mas, como foi verificada a contaminação no processo de formação, eu entendi que
devia suspender a aplicação e botá-lo em revisão - disse Adams.
Gilberto Miranda é
citado como um dos interessados na construção de um complexo portuário de R$ 2
bilhões, obra que pretende ocupar uma área de 1,22 milhão de metros quadrados
ao lado do Porto de Santos. A empresa responsável pelo projeto, SPE, foi criada
em 2009 e a principal acionista é registrada na Holanda. Para a PF, Gilberto
Miranda é um dos sócios do empreendimento.
Em interceptação
telefônica realizada em abril deste ano, a PF flagrou diálogo entre Paulo
Vieira e Glauco Cardoso Moreira, procurador-geral da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq), em que discutem a necessidade de se declarar o
terminal como de interesse público para fins privados, possibilidade prevista
para obras essenciais de infraestrutura e de interesse nacional. A hipótese
consta da lei que trata da utilização de vegetação nativa da Mata Atlântica e
cita como responsável pela decisão "o poder público federal ou dos
Estados".
No diálogo, Glauco
pergunta se o projeto conta com apoio dos governantes, como prefeitura e
estado. "Tem, tem, tem. Isso pode até juntar na consulta. Tem apoio de
Deus e todo mundo", diz Paulo, que conversa pelo telefone com Gilberto
Miranda ao seu lado, segundo conclusão da PF.
Em 30 de outubro
deste ano, Paulo encaminhou a Weber e-mail com a redação do parecer em que
transfere para ministros e governadores a decisão sobre viabilizar o
empreendimento em área protegida de Mata Atlântica.
"Segue em anexo
nova minuta, que ao que me parece, atende as preocupações do parecerista. (...)
todas as modificações estão em vermelho para facilitar a análise da
questão", escreveu Vieira a Weber, que, em outras conversas, é informado
que receberá "livros", forma usada pela quadrilha para se referir a
propinas, segundo a PF.
De acordo com o
consultor-geral Arnaldo Godoy, mesmo publicado, o documento ainda dependia de
assinatura da presidente Dilma Rousseff para ganhar força de lei.
Signatário oficial do
documento, Godoy disse ter se sentido enganado por Weber.
- Estou muito abatido
com isso porque sou um professor e fui levado a erro. Fui usado nisso - disse o
consultor-geral.
Godoy se disse
convencido de que apesar da interferência considera o documento
"juridicamente correto". Mas afirma que não poderia aceitar que
continuasse a vigorar em função da participação de Vieira em sua redação.
- Estou certo de que
(o documento) está juridicamente correto, mas o parecer tem vícios já que
algumas pessoas trataram dele sem o meu conhecimento. Ainda que amanhã eu
produza outro parecer dizendo as mesmas coisas, com o mesmo entendimento, não
posso permitir que este outro documento persista nas ruas - afirmou ontem.
Nas gravações, Vieira
informava constantemente o ex-senador e empresário Gilberto Miranda sobre
movimentos para aforamento da ilha.
Em um dos
telefonemas, Paulo Vieira disse a Weber: "Falou, então, dr. Weber, cuida
de mim aí". E Weber responde: "Tá bom. Já tô cuidando; amanhã eu
explico procê (sic)". A Polícia Federal registrou reuniões entre Weber,
Miranda, Paulo Vieira e outros integrantes da AGU em Brasília. Em um telefonema
em outubro de 2010, Miranda pediu a Paulo Vieira para "encher o saco do
Weber" e obter seus pleitos junto ao poder público.
Em entrevista ao
GLOBO, o superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Roberto Troncon
Filho, disse que os casos em que funcionários do governo foram flagrados
vendendo pareceres técnicos de órgãos do governo para favorecer empresas
privadas, apurados na Operação Porto Seguro, demonstram que o governo precisa
mudar urgentemente a legislação.
- Não é possível que
um técnico faça um parecer que acaba tendo força de lei, como aconteceu no caso
das ilhas usadas pelo ex-senador Gilberto Miranda e no caso do terminal
portuário usado pela Tecondi no Porto de Santos, e que deu origem à investigação
da Operação Porto Seguro - disse Troncon Filho.
Ontem, em São Paulo,
Weber negou que estivesse envolvido com corrupção e disse apenas ter recebido
um pedido para que usasse sua influência para manter no cargo o assessor
jurídico do Ministério da Educação Esmeraldo Malheiros Santos, um dos
indiciados pela Polícia Federal.
- Do consultor
jurídico do MEC, o Paulo me pediu e disse "olha, tem um rapaz que está lá
há muitos anos e que atende muito bem". Eu disse "vou falar com o
novo consultor". Eu acredito que deva ter falado com o novo consultor
alguma coisa. Essa pessoa (Santos) já estava lá - disse à TV Globo.
Fonte: O Globo
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