quinta-feira, 29 de novembro de 2012

O maior golpe na impunidade

O STF encerrou a fase de cálculo das penas de todos os 25 condenados no mensalão. Agora, para concluir o julgamento, falta decidir se será decretada a perda de mandato dos três parlamentares condenados e a prisão dos réus. Todos os detalhes de um julgamento que durou quase 4 meses, num caderno de 16 páginas.

O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) foi beneficiado com a redução de um terço de sua pena por ter sido o delator do esquema. Em 2005, ele revelou a existência de Marcos Valério, operador do mensalão, e os pagamentos a políticos da base do governo. Foi condenado a 7 anos e 14 dias, em regime semiaberto

Ao final de 49 sessões em quase quatro meses de julgamento, o Supremo Tribunal Federal encerrou ontem a fixação das penas dos 25 réus condenados pelo escândalo do mensalão. O delator do esquema, o ex-deputado Roberto Jefferson, foi punido com 7 anos e 14 dias de prisão — escapando do regime fechado por ter denunciado a compra de votos. Até agora, 13 réus cumprirão pena em regime fechado, inclusive o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP), cuja pena foi definida também ontem em 9 anos e 4 meses de prisão. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, apontado como mandante do esquema, também ficará em regime fechado. A maior pena é a do operador do mensalão, Marcos Valério, condenado a mais de 40 anos.


Faltam alguns ajustes nas penas, que serão feitos a partir da semana que vem, quando o tribunal decidirá se a condenação implica perda automática de mandato dos parlamentares ou se isso depende de votação da Câmara. Num julgamento histórico, as decisões do STF, tomadas em sessões transmitidas ao vivo, abriram caminho para novas condenações por corrupção. Os magistrados adotaram interpretações novas, como o fim da exigência de que o servidor público acusado de receber propina tenha consumado o chamado ato de ofício para pagar o favor. O julgamento marcou a ascensão de Joaquim Barbosa, relator do processo, que se tomou o primeiro negro a presidir a Corte.


No outro escândalo de corrupção do momento, e-mails obtidos pela Polícia Federal mostram que Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas indiciado por coordenar esquema de venda de pareceres técnicos de órgãos federais, redigiu para o ex-advogado-geral adjunto da União José Weber Holanda um texto que beneficiava o ex-senador Gilberto Miranda

De próprio punho

Parecer da AGU favorável a projeto de interesse privado foi redigido por Paulo Vieira

Thiago Herdy, Marcelle Ribeiro

Solicitação. Weber, da AGU, nega corrupção e diz ter atendido a um pedido de Vieira

SÃO PAULO Apontado pela Polícia Federal como chefe da quadrilha desbaratada na Operação Porto Seguro, o ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) Paulo Rodrigues Vieira redigiu para o então advogado-geral adjunto da União, José Weber Holanda, parecer em que a Advocacia Geral da União (AGU) facilita o reconhecimento de utilidade pública para fins privados, com supressão de Mata Atlântica, da Ilha dos Bagres, em Santos (SP), projeto de interesse do ex-senador Gilberto Miranda.

O parecer resolvia divergências internas do governo federal quanto ao assunto, trazendo para a responsabilidade do advogado-geral da União o papel de mediar o assunto e propor que a decisão final sobre a questão da utilidade pública fosse restringida aos ministros de Estado e ao governador de São Paulo. Gravações obtidas pela PF apontam que autoridades já apoiavam o empreendimento na ilha.

O parecer foi assinado pelo consultor-geral da União, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, e chancelado pelo advogado-geral Luís Inácio Adams. A publicação e o envio do parecer às representações da AGU ocorreram na segunda-feira, 19 de novembro, cinco dias antes da deflagração da Operação Porto Seguro. Ontem, Adams disse ao GLOBO que determinou a suspensão do parecer após a descoberta pela PF de que o documento havia sido produzido com a participação de Paulo Vieira.

- Esse parecer foi suspenso na última segunda-feira. Não que eu achasse que o conteúdo era errado, mas, como foi verificada a contaminação no processo de formação, eu entendi que devia suspender a aplicação e botá-lo em revisão - disse Adams.

Gilberto Miranda é citado como um dos interessados na construção de um complexo portuário de R$ 2 bilhões, obra que pretende ocupar uma área de 1,22 milhão de metros quadrados ao lado do Porto de Santos. A empresa responsável pelo projeto, SPE, foi criada em 2009 e a principal acionista é registrada na Holanda. Para a PF, Gilberto Miranda é um dos sócios do empreendimento.

Em interceptação telefônica realizada em abril deste ano, a PF flagrou diálogo entre Paulo Vieira e Glauco Cardoso Moreira, procurador-geral da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), em que discutem a necessidade de se declarar o terminal como de interesse público para fins privados, possibilidade prevista para obras essenciais de infraestrutura e de interesse nacional. A hipótese consta da lei que trata da utilização de vegetação nativa da Mata Atlântica e cita como responsável pela decisão "o poder público federal ou dos Estados".

No diálogo, Glauco pergunta se o projeto conta com apoio dos governantes, como prefeitura e estado. "Tem, tem, tem. Isso pode até juntar na consulta. Tem apoio de Deus e todo mundo", diz Paulo, que conversa pelo telefone com Gilberto Miranda ao seu lado, segundo conclusão da PF.

Em 30 de outubro deste ano, Paulo encaminhou a Weber e-mail com a redação do parecer em que transfere para ministros e governadores a decisão sobre viabilizar o empreendimento em área protegida de Mata Atlântica.

"Segue em anexo nova minuta, que ao que me parece, atende as preocupações do parecerista. (...) todas as modificações estão em vermelho para facilitar a análise da questão", escreveu Vieira a Weber, que, em outras conversas, é informado que receberá "livros", forma usada pela quadrilha para se referir a propinas, segundo a PF.

De acordo com o consultor-geral Arnaldo Godoy, mesmo publicado, o documento ainda dependia de assinatura da presidente Dilma Rousseff para ganhar força de lei.

Signatário oficial do documento, Godoy disse ter se sentido enganado por Weber.

- Estou muito abatido com isso porque sou um professor e fui levado a erro. Fui usado nisso - disse o consultor-geral.

Godoy se disse convencido de que apesar da interferência considera o documento "juridicamente correto". Mas afirma que não poderia aceitar que continuasse a vigorar em função da participação de Vieira em sua redação.

- Estou certo de que (o documento) está juridicamente correto, mas o parecer tem vícios já que algumas pessoas trataram dele sem o meu conhecimento. Ainda que amanhã eu produza outro parecer dizendo as mesmas coisas, com o mesmo entendimento, não posso permitir que este outro documento persista nas ruas - afirmou ontem.

Nas gravações, Vieira informava constantemente o ex-senador e empresário Gilberto Miranda sobre movimentos para aforamento da ilha.

Em um dos telefonemas, Paulo Vieira disse a Weber: "Falou, então, dr. Weber, cuida de mim aí". E Weber responde: "Tá bom. Já tô cuidando; amanhã eu explico procê (sic)". A Polícia Federal registrou reuniões entre Weber, Miranda, Paulo Vieira e outros integrantes da AGU em Brasília. Em um telefonema em outubro de 2010, Miranda pediu a Paulo Vieira para "encher o saco do Weber" e obter seus pleitos junto ao poder público.

Em entrevista ao GLOBO, o superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Roberto Troncon Filho, disse que os casos em que funcionários do governo foram flagrados vendendo pareceres técnicos de órgãos do governo para favorecer empresas privadas, apurados na Operação Porto Seguro, demonstram que o governo precisa mudar urgentemente a legislação.

- Não é possível que um técnico faça um parecer que acaba tendo força de lei, como aconteceu no caso das ilhas usadas pelo ex-senador Gilberto Miranda e no caso do terminal portuário usado pela Tecondi no Porto de Santos, e que deu origem à investigação da Operação Porto Seguro - disse Troncon Filho.

Ontem, em São Paulo, Weber negou que estivesse envolvido com corrupção e disse apenas ter recebido um pedido para que usasse sua influência para manter no cargo o assessor jurídico do Ministério da Educação Esmeraldo Malheiros Santos, um dos indiciados pela Polícia Federal.

- Do consultor jurídico do MEC, o Paulo me pediu e disse "olha, tem um rapaz que está lá há muitos anos e que atende muito bem". Eu disse "vou falar com o novo consultor". Eu acredito que deva ter falado com o novo consultor alguma coisa. Essa pessoa (Santos) já estava lá - disse à TV Globo.

Fonte: O Globo

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