Os Brics deveriam enviar uma mensagem clara a Assad, instando-o a assegurar total acesso humanitário.
E inaceitável que o dia 15 de março tenha assinalado os dois anos de um conflito sangrento e impiedoso na Síria que a comunidade internacional, até agora, não foi capaz de pôr fim.
O sofrimento de cidadãos comuns deveria nos comover e chocar de maneira profunda, tendo em vista as centenas de inocentes mortos diariamente e os milhares - muitos deles crianças abandonadas -fugindo dos combates, em busca de refúgio nos países vizinhos. Mais de 70 mil mortos, 1 milhão de refugiados, 2 milhões de refugiados internos. As estatísticas da ONU não dão conta da amplitude do sofrimento humano. E no entanto, face a este desastre que se agrava a cada dia, as Nações Unidas continuam em um impasse, bloqueadas por três vetos duplos no Conselho de Segurança e incapazes de chegar a um acordo sobre como pôr fim às hostilidades.
Diante de tal situação, o caminho mais fácil seria a desesperança. No entanto, embora não haja respostas fáceis para a crise síria, acreditamos que ainda existem oportunidades para uma mudança positiva de direção. A quinta cúpula anual dos Brics, que reunirá os líderes do Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul, em Durban, África do Sul, nos dias 26 e 27, é uma grande oportunidade.
No ano passado, quando os líderes dos Brics se reuniram em Nova Délhi, sua declaração final expressou "profunda preocupação" com a situação na Síria e se comprometeu a "facilitar a adoção de um processo político abrangente liderado pela Síria".
Na medida em que nenhum processo político realista foi posto em prática, a cúpula deste ano é uma oportunidade para as potências mundiais emergentes demonstrarem seu compromisso e solidariedade com o povo da Síria em seu momento de maior necessidade. Fazendo isso, estes países estarão contribuindo para pôr fim à escalada crescente de violência.
O que estamos pedindo, como membros do grupo The Elders, não significa manifestação de apoio ou oposição ao regime de Bashar Assad. Pelo contrário, trata-se de reconhecer os interesses humanitários e dar prioridade à proteção da população civil. O acesso irrestrito da ajuda humanitária a todas as partes do território sírio, coordenado pela ONU e autorizado pelo governo - de modo que a ajuda chegasse qualquer momento, em qualquer lugar e pelos meios mais eficazes - é um chamamento ao qual nenhum líder, na verdade nenhum ser humano, poderia, em sã consciência, negar-se a fazer.
Um problema crítico, sobre o qual tem havido pouco debate público, é que o governo sírio não permitiu à ONU nem a outros organismos internacionalmente reconhecidos a coordenação da assistência através das fronteiras até as áreas onde esta se faz mais urgentemente necessária. De acordo com o direito humanitário internacional, a ONU não pode prestar assistência humanitária sem a autorização do governo do país. Apesar do trabalho corajoso de organizações locais, da ONU, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e de algumas ONGs internacionais, ainda em condições de trabalhar na Síria, a ajuda continua a não chegar aos que mais precisam dela, encurralados que estão tanto nas áreas controladas pelo governo como pela oposição.
Na cúpula dos Brics, os líderes deveriam enviar uma mensagem clara ao presidente Bashar Assad, instando-o a assegurar às agências da ONU um total acesso humanitário. Este imperativo é ainda mais urgente dado o impasse no Conselho de Segurança da ONU. Deveria ser do interesse, tanto do governo de Damasco como dos que se lhe opõem, garantir que os civis sírios tenham acesso a alimentação, cuidados de saúde e abrigos adequados. Mais importante ainda, deve ficar claro que esta é sua obrigação moral e legal, pela qual poderão ser responsabilizados no futuro, caso não atuem.
Garantir a imparcialidade da ajuda humanitária e sua entrada e circulação por todo o país a cargo da ONU é a única forma de assegurar uma resposta efetiva à escalada.
Se as nações que fazem parte dos Brics chegarem a um acordo sobre uma abordagem comum para lidar com as dimensões humanitárias da crise síria já terão dado uma contribuição importante para a melhoria do bem-estar de milhões de pessoas afetadas pela guerra civil e proporcionarão um grande apoio aos esforços notáveis do nosso companheiro Elder, Lakhdar Brahimi, como enviado de paz.
Supondo que possam mobilizar a vontade política necessária para dar este primeiro passo essencial, encorajamos os líderes do Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul a ir mais longe e usar sua influência coletiva para ajudar a alcançar um acordo político na Síria. Tal demonstração de liderança global seria uma grande conquista, a favor do povo da Síria, o que só faria reforçar o prestígio político dos BRICS aos olhos do mundo.
Fernando Henrique Cardoso e ex-presidente do Brasil. Martti Ahtisaari é ex-presidente da Finlândia e prêmio Nobel da paz. Ambos são membros do grupo The Elders (www.theelders.org), que é formando por líderes independentes e trabalha por paz, justiça e direito humanos.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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