Os sinais de que o novo ministro do STF representará uma aragem para a Corte são mais importantes do que o fato de ele participar, ou não, do julgamento dos recursos do mensalão
A cada quatro anos, os eleitores podem mudar seus representantes e governantes nos poderes Legislativo e Executivo. Já a renovação do Judiciário, especialmente a da mais alta Corte, ocorre em longos intervalos, e depende do acerto das escolhas do(a) presidente da República, referendadas pelo Senado. As substituições de ministros quase vitalícios podem produzir colegiados monolíticos, dissociados da pluralidade e da diversidade, em todos os sentidos. Uma aprovação quase unânime, nos meios jurídico e político, seguiu-se ao anúncio da indicação do constitucionalista Luís Roberto Barroso pela presidente Dilma. Certamente, por suas qualidades intelectuais e técnicas, mas possivelmente também pelas indicações de que sua presença arejará a Corte e fortalecerá o equilíbrio entre diferentes posições doutrinárias.
Com sobriedade própria ao momento, Barroso foi comedido nas declarações posteriores ao anúncio, por respeito aos Poderes, como explicou. Falta-lhe ainda o aval do Senado, e a posse entre os pares, para falar como ministro. Do pouco que disse até agora, e do que escreveu recentemente, vêm os sinais de que levará ao Supremo um novo olhar sobre algumas questões relevantes. Na sexta-feira, já escolhido, declarou que "decisão política deve tomar quem tem voto". Em artigo de janeiro passado, que está no site Consultor Jurídico, com o balanço retrospectivo das ações do STF em 2012, externou compreensão quase ausente no Supremo de hoje sobre a relação entre mazelas como corrupção e fisiologismo e o sistema político arcaico, que clama por reforma. Isso afora outras considerações sobre o futuro da Corte que agora integrará.
Ativismo judicial
A declaração de agora explicita uma percepção diferente da que é dominante na Corte sobre seus próprios limites. "Em uma democracia, decisão política deve tomar quem tem voto. O Judiciário deve ser deferente às escolhas feitas pelo legislador e às decisões da administração pública, a menos que — e aí, sim, se legitima a intervenção do Judiciário — essas decisões violem frontalmente a Constituição. Aí, sim, por exceção e não por regra, o Judiciário pode e deve intervir." E mais: "Eu qualificaria como ativismo decisões do Supremo Tribunal Federal em matérias como a fidelidade partidária!". Em relação a esse tema, não foram poucas, nos últimos anos, as interferências da Corte. Agora mesmo, o Senado continua impedido, por uma decisão liminar monocrática, de concluir a votação do projeto que restringe a migração de parlamentares para um novo partido, vedando a apropriação, por este, do tempo de tevê e da fração do fundo partidário que deve pertencer ao partido pelo qual o migrante se elegeu.
Em 2006, o Supremo derrubou o projeto que instituía a cláusula de barreira para partidos que não obtenham 5% dos votos, nacionalmente. Com isso, continuamos a ter este quadro partidário amplíssimo e fragmentado, que não assegura a nenhum deles a maioria, obrigando o presidente da República, seja de qual partido for, a governar com coalizões heterogêneas. As mesmas que, ao longo do julgamento da Ação Penal 470, do chamado mensalão, foram duramente criticadas pelos ministros. Especialmente pelo então presidente da Corte, Ayres Britto. Na ausência da cláusula, proliferam partidos que o presidente Joaquim Barbosa considera "de mentira". Mas não apenas nessa questão o STF deixou de ser, para usar as palavras do futuro ministro, "deferente" para com os que têm voto. Uma parte dos políticos alimenta esta judicialização, queixando-se aos bispos togados. Outra reage com propostas descabidas, como a da PEC 33, que subordina medidas do STF ao crivo do Congresso.
Os frutos do sistema
O artigo do futuro ministro que está no site do Conjur muito revela, assim como o seu blog, sobre sua personalidade. A inclinação doutrinária garantista e aspectos do funcionamento do STF. Ao avaliar o julgamento do mensalão, afirmou: "Parece muito nítido que o STF aproveitou a oportunidade para condenar toda uma forma de se fazer política, amplamente praticada no Brasil. Ao proceder assim, o Tribunal acabou transcendendo a discussão puramente penal e tocando em um ponto sensível do arranjo institucional brasileiro. Quem estava no caminho dessa mudança de percepção foi atropelado, e por isso é compreensível que os condenados se sintam, não sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem sozinhos a conta acumulada de todo um sistema. Por isso mesmo, aliás, é razoável supor que a mudança ficará incompleta, caso não se aproveite a ocasião para levar a cabo uma reforma política abrangente, que desça à raiz do problema."
O Congresso, lamentavelmente, enterrou a reforma política. Em entrevista à revista Poder, já havia dito que tanto Fernando Henrique quanto Lula "não mudaram o modo de fazer política", aderindo ao sistema em que se vota em pessoas, não em partidos, e impõe o presidencialismo de coalizões de conveniência — "modelo que está na raiz de boa parte dos problemas políticos brasileiros, inclusive os de corrupção e fisiologismo". No julgamento, alguns ministros revelaram desconhecimento sobre a natureza e o funcionamento do sistema político, e, outros, a ilusão de que podem mudá-lo pela força das condenações. No artigo, Barroso lista algumas transformações que poderiam ser adotadas pela Corte, inclusive, sobre o julgamento de autoridades com foro privilegiado, poupando-a de certo tipo de ações e julgamentos.
Esses sinais de que o novo ministro pode representar uma aragem, por atributos que distinguem também o indicado anterior de Dilma, Teori Zavascki, é que importam. Muito mais do que a participação ou não no julgamento dos recursos dos réus da Ação Penal 470.
Fonte: Correio Braziliense
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