Foi o sociólogo alemão Max Weber quem definiu o monopólio legal da violência como uma das prerrogativas do Estado Moderno. De sua época para cá, a sociedade passou a distinguir uma violência ilegal, antisocial e desumana, de uma outra: a violência institucional praticada pelos agentes do Poder Público com o objetivo de proteger a vida, a liberdade e a propriedade dos cidadãos. A mídia e os meios de comunicação em geral contribuíram na catequese das pessoas - para aceitação dessa violência oficial - ao separar nos movimentos sociais o que chamam de manifestações pacíficas e democráticas, das manifestações de vandalismo, de baderna e destruição da propriedade pública e particular. Aos olhos dessa imprensa, a primeira é legítima e aceitável; a segunda ilegítima e condenável. Foi um longo trabalho de persuasão dos cidadãos para aceitarem de bom grado o exercício da violência pelo Estado, contra os outros, aqueles que por algum motivo não gostamos ou nos ameaçam. Nunca contra nós mesmos ou a nossa família e os nosso amigos. Michel Foucault descreveu essa marcha civilizatória como a disciplinarização da sociedade. O indívíduo disciplinar é aquele que introjeta o princípio da autoridade dentro de si e mesmo que não haja nenhum inspetor de quarteirão por perto, aje como se ele estivesse ali, vigiando ele.
Há quem diga que no Brasil, não existe em sua plenitude esse individuo disciplinar, dada a natureza relacional de nossa cidadania. Estão aí os ensaios da dialética da malandragem ou da malandragem pragmática para provarem a teoria do Brasil e do cidadão brasileiro. Se não é possível falar da existência entre nós desse cidadão disciplinar, por causa da arraigada herança do patrimonialismo na sociedade brasileira, do Estado com certeza sim. Não há propriamente cidadania entre nós. O que há é uma estadania. No Brasil, o estado é tudo; a sociedade civil é nada ou quase nada. Assim é muito conveniente para o Estado a criminalização recorrente dos movimentos sociais, sobretudo daqueles que incomodam aos governantes de turno. Como dizia Washington Luis no Brasil "a questão social é um caso de polícia"! Foi preciso Getúlia Vargas inventar "a cidadania regulada" da carteira de trabalho, para reconhecer a questão social como uma questão do Estado, não da polícia civil, militar e da polícia política.
Pois, eis que diante desse arrazoado, as funções da Polícia de Pernambuco - competentemente assessorada por membros da academia - passou ela a definir - segundo a sua inteligência - que movimentos e manifestações sociais são legítimas, democráticas e aceitáveis e quais não são!. As que julga como aceitáveis protege e promove como modelo de participação social - dando a ideia da paz social no estado de Pernambuco, sob as benção do Imperador -as que julga ilegais, amorais e ilegítimas e passíveis de repressão policial. Foi o que aconteceu com as recentes passeatas em nossa cidade e nosso Estado. Muito longe da imagem de paz, amor e concórdia que a mídia regional pretendeu passar para os incautos e desavisados, houve muita violência, abuso, desrrespeito ao direito de expressão e manifestação dos cidadãos. A Polícia Civil - que é uma polícia judiciária - cometeu abusos injustificáveis contra militantes estudantis, prendendo, submetendo a constrangimentos ilegais esses jovens. A Polícia Militar foi além, infiltrando-se nos movimentos -sabe-se lá com que objetivo. Por que não se acaba com essa corporação, criada nos tempos da Ditadura Militar? - Ela é um resquício do que há de mais tenebroso dos regimes ditatoriais.
Como diziam "Os Titãs": Polícia, para quem precisa de Polícia". O aparelho repressivo de Estado é em si mesmo causa da violência, alimenta a violência. Ninguém se iluda que a Polícia vem acabar com a violência; ela só ajuda a reproduzi-la e a alimentar interesses que estão longe do Estado Democrático de Direito. Não é atoa que todos os movimentos e pensadores anarquistas - desde Kropotkin até Tolstoi - foram contra a Polícia. Eles sabiam da incompatibilidade entre o poder de Polícia e a Liberdade.
Michel Zaidan Filho, sociólogo e professor da UFPE
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