Não se trata de uma tarefa fácil, mesmo para tarimbados analistas ou políticos experientes, decodificar com precisão as declarações de Dilma Rousseff, cuja dificuldade de se fazer entender é proporcional à inoperância administrativa de seu próprio governo. Da entrevista recente que a petista concedeu ao jornal “Folha de S.Paulo”, o que se revela é um discurso errático e desorientado que escancara a subserviência da chefe da nação ao seu mentor político, Luiz Inácio Lula da Silva.
Quando afirma que “Lula não vai voltar porque ele não foi, ele não saiu”, e revela uma simbiose que faria de ambos seres “indissociáveis”, Dilma dá margem a duas interpretações igualmente preocupantes. De um lado, há quem entenda que a comandante do governo é tutelada pelo ex-presidente e atua simplesmente como uma marionete a serviço do tutor. Outra corrente avalia que, ao se associar diretamente ao antecessor, Dilma tenta conter a movimentação de setores do PT que estariam incentivando a possível candidatura de Lula em 2014.
“Esse tipo de coisa, entre nós, não gruda, não cola (...) [/...] Eu estou misturada como governo dele”, fez questão de dizer. Em qualquer uma das hipóteses, seja Dilma mera cumpridora das determinações de Lula ou artífice de um plano para inibir o ex-presidente de disputar sua sucessão, o resultado é danoso ao Brasil. Nenhum país pode ter dois comandos, o que significa, na prática, que não tem nenhum.
Os problemas que o governo petista não consegue resolver, entre os quais estagnação econômica, pressão inflacionária, precárias condições de infraestrutura e serviços públicos de péssima qualidade, são agravados diante da tibieza de quem deveria comandar, mas se omite, e da necessidade permanente de se consultar com quem já deixou a cadeira presidencial há dois anos e meio. Na mesma entrevista à “Folha”, Dilma insiste em não reconhecer as dificuldades econômicas enfrentadas pelo país e já apontadas, inclusive, por alguns de seus aliados.
O governo adota um modelo equivocado baseado no consumo e responsável pelo aumento do percentual de endividamento das famílias, que alcançou 65,2% em julho, segundo a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência (Peic), com uma alta de 7,6% em relação ao mesmo mês do ano passado e 2,2% na comparação com junho. Se esse modelo já era um equívoco no governo Lula, que se beneficiava por uma conjuntura internacional favorável, a insistência de Dilma é um contrassenso diante da deterioração do cenário externo.
O conto de fadas narrado por Dilma na entrevista também desconsidera a previsão da Comissão Econômica da América Latina e do Caribe (Cepal), que reduziu a previsão de crescimento do PIB brasileiro para 2,5% este ano, apenas acima de Venezuela e El Salvador. Mesmo assim, o czar da economia no período da ditadura militar, Delfim Netto, que se transformou em conselheiro econômico dos governos do PT, faz coro à presidente e garante que a situação não é ruim.
A prudência recomenda que se leve em conta a análise de outro economista, José Serra, este notoriamente afinado com a democracia, que vê justamente na falta de governo o cerne da crise atual. É na ausência de uma liderança competente que floresce o desgoverno. A sombra de Lula sobre um país sem comando é só o reflexo mais nítido da fraqueza de Dilma.
Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
Fonte: Brasil Econômico
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