O que há de mais importante nessa segunda fase do julgamento do mensalão que se inicia no próximo dia 14 é a definição do Supremo Tribunal Federal sobre os embargos infringentes, que permitiriam um novo julgamento daqueles réus que receberam pelo menos 4 votos a favor. Há 15 réus nessa situação, 12 condenados por formação de quadrilha (Marcos Valério, José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Rogério Tolentino, Pedro Corrêa, João Cláudio Genu, Enivaldo Quadrado, Roman Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabelo e José Roberto Salgado) e três por lavagem de dinheiro (João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg).
Vários ministros já se pronunciaram sobre o assunto em momentos diversos, a começar pelo presidente do STF e relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, para quem aceitar os embargos infringentes seria gesto "gracioso, inventivo, ad hoc, magnânimo", mas "absolutamente ilegal".
O decano Celso de Mello já antecipou sua posição no próprio julgamento do mensalão, que está registrada no acórdão: "Não obstante a superveniente edição da Lei nº 8.038/90, ainda subsiste, com força de lei, a regra consubstanciada no artigo 333, parágrafo I, do Regimento Interno do STF, plenamente compatível com a nova ordem ritual estabelecida para os processos penais originários instaurados perante o STF."
O que o presidente Joaquim Barbosa considera "criar ou ressuscitar vias recursais não previstas no ordenamento jurídico brasileiro", para o ministro Celso de Mello é permitir "a concretização, no âmbito do STF, do postulado do duplo reexame, que torna pleno o respeito ao direito consagrado".
O decano do STF ainda afirmou que, com os embargos infringentes, "serão excluídos da distribuição o relator e o revisor, o que permitirá, até mesmo, uma nova visão sobre o litígio penal".
O mais recente ministro indicado para o Supremo, Luis Roberto Barroso, disse na sabatina no Senado que, na "teoria", o regimento interno do STF, que prevê os embargos infringentes, perdeu o status de lei com a Constituição de 1988, que não os prevê.
Barroso explicou que o regimento interno do STF foi editado numa época anterior à Constituição de 1988, quando a atuação normativa do STF se equiparava à atuação legislativa do Congresso.
Portanto, nessa época, o regimento tinha status de lei. Posteriormente, a Constituição de 1988 "vedou essa competência normativa primária", e o regimento passou a ter competência limitada. Essa posição em teoria é majoritária no plenário do STF, mas o debate será intenso.
Ontem, o ministro Gilmar Mendes repetiu sua posição: "Eu tenho dito que não parecem cabíveis os embargos infringentes, mas essa é uma discussão que o Tribunal travará com toda a competência".
Os que não aceitam os infringentes lembram que eles não existem no Superior Tribunal de Justiça (STJ), criado dentro do novo espírito da Constituição de 1988. Ele ficou com uma parcela da competência do Supremo, sobre temas de lei federal, tendo sido criados cinco regionais federais.
Em 1990, a lei 8.038 regulamentou os processos nos tribunais superiores, confirmando a extinção dos embargos infringentes. No caso do mensalão, dois acusados apresentaram simultaneamente embargos declaratórios e infringentes, e os segundos já foram rejeitados pelo relator Joaquim Barbosa, que adiantou sua posição contrária aos embargos infringentes.
O raciocínio do ministro Celso de Mello a favor do duplo grau de jurisdição no julgamento do Supremo seria falho, porque os réus foram julgados em amplo colegiado, pelo órgão máximo do Judiciário. Ao final do julgamento, ano passado, a tese de Celso de Mello parecia vitoriosa pela determinação da maioria do plenário de não dar motivos a que se acusasse o STF de não ter dado aos réus uma ampla defesa.
Mesmo os que consideram que os embargos infringentes realmente não existem nos tribunais superiores estariam dispostos a aceitá-los. Hoje, porém, depois das manifestações de junho e da exigência das ruas de punição aos corruptos, com protestos explícitos com relação ao mensalão, ficou mais fácil assumir um voto técnico. Um gesto de magnanimidade poderia ser interpretado como leniência com corruptos poderosos.
Fonte: O Globo
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