Em meio à interminável sequência de improvisações imediatistas em que se converteu a condução da política econômica no país, é alvissareiro que a Petrobras tenha decidido que chegou a hora de desenterrar a questão do alinhamento dos preços internos de derivados de petróleo aos preços internacionais. E que venha se mostrando seriamente empenhada em dar equacionamento adequado à questão.
Embora não se conheça ainda o exato teor das soluções que vêm sendo discutidas no âmbito da empresa, tudo indica que o que se contempla é a adoção de regras relativamente rígidas de atrelamento dos preços internos aos externos. O que talvez não seja a melhor solução.
Há mais de nove anos, quando o governo ainda parecia ter interesse na questão, propus solução bem mais flexível, em artigo publicado no “Estado”, em 18/6/2004, sob o título “Preços de derivados de petróleo”. No que se segue, faço amplo uso do direito de autoplágio e, em boa medida, reproduzo os argumentos apresentados naquele artigo, na esperança de que, agora, possam merecer mais atenção do que parecem ter recebido na época.
Por mais desejável que seja, a vinculação entre preços internos e externos, no caso dos derivados de petróleo, não pode ser assegurada no Brasil pelo livre funcionamento dos mercados. Tendo em vista o enorme poder de monopólio da Petrobras, a vinculação só pode ser estabelecida se for exigida da empresa como regra de regulação. Mas a obediência a essa diretriz um tanto vaga não é trivial. Seguir tal regra de vinculação de preços, na prática, envolve decisões discricionárias muito complexas sobre o timing e a magnitude das correções de preços internos.
Incumbida de zelar pela vinculação, a Petrobras estará às voltas com um papel ambíguo, duplamente ingrato. Ao elevar preços, será vista pelos consumidores como monopólio implacável, a serviço de seus acionistas, inclusive do próprio governo. E, ao reduzi-los, ou deixar de elevá-los, será vista pelos acionistas como incorrigível empresa estatal, sempre pronta a se pôr a serviço da política de combate à inflação ou a conveniências populistas.
Para contornar essas dificuldades, é preciso que se instaure um sistema transparente de gestão da política de vinculação entre preços internos e externos, que facilite o acompanhamento da lógica das decisões tomadas e a avaliação dos resultados obtidos. Há quem argumente que o que falta é um conjunto de regras claras e objetivas. Mas é pouco provável que o problema possa ser resolvido de forma tão simplista. Não faz sentido reduzir a ideia de vinculação à mera atrelagem mecânica do preço interno de cada derivado a um preço de referência externo. A política de vinculação que interessa exige análise mais ampla, tendo em conta amplo espectro de preços e a evolução do mercado internacional de petróleo como um todo. O que pode ser bem mais complexo do que se pensa.
O desafio de dar transparência a decisões discricionárias especialmente complexas e, ao mesmo tempo, permitir a avaliação contínua da qualidade dessas decisões vem sendo enfrentado, com razoável grau de sucesso, na política de metas para a inflação. Talvez se deva extrair dessa experiência lições importantes para a política de preços de derivados. O que parece estar faltando nessa política é algo similar ao Relatório de Inflação, por meio do qual o Banco Central explicita seus diagnósticos e premissas e justifica suas decisões, expondo-as à avaliação pública.
Não parece ser demais exigir que a cada três ou quatro meses a Petrobras produza documento similar, justificando detalhadamente sua política de preços de derivados, à luz da evolução do mercado internacional de petróleo e da meta regulatória de alinhar preços internos aos preços internacionais. É uma iniciativa relativamente simples que permitiria tornar a política de preços de derivados menos ruidosa, mais consequente e mais previsível. E que contribuiria para elevar em muito o nível do debate sobre a questão.
Economista e professor da PUC-Rio
Fonte: O Globo
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