As conexões e movimentos no mundo globalizado são visíveis, mas não evidentes. É preciso ver abaixo da superfície o que não é mostrado nas pesquisas de opinião ou nas oscilações do mercado financeiro. Os fenômenos que surpreendem na política são anunciados com antecedência nas entrelinhas das notícias.
A vitória do candidato democrata à Prefeitura de Nova York surpreende em vários aspectos: o perfil de ultraliberal com passado esquerdista, as propostas de justiça social caracterizadas como "populistas" ao melhor estilo latino-americano, o domínio dos republicanos nos últimos 20 anos, tudo isso, há pouco tempo, seria obstáculo para uma vitória tão folgada, com 70% dos votos.
O que querem dizer os nova-iorquinos? As maiorias ocultas, de etnias e línguas variadas, resolveram exercer na política um poder que só mostravam --e com dificuldade-- na cultura?
Quando o movimento Occupy Wall Street mostrou-se resistente a ponto de espalhar-se como estratégia pelo mundo inteiro, o iceberg de uma grande mudança revelou sua pontinha. Os jovens ativistas autorais são as novas antenas da raça humana. Muitas vezes sua importância passa despercebida, como também ficam invisíveis os 21% da população que vivem abaixo da linha de pobreza na capital financeira do mundo. Tanta contradição e potencialidade não fica contida para sempre.
Vimos o povo nas ruas no Egito, na Espanha, no Chile. Muitos diziam: isso não acontece no Brasil, aqui esses movimentos ficam restritos a desabafos na internet. Mas aconteceu, transbordou do virtual para o presencial em manifestações cujos efeitos estão longe de se esgotar. E, agora, quem pode dizer que tais movimentos não influenciarão a política, os Parlamentos e os governos?
Não se trata de anunciar a chegada ao poder e a hegemonia de uma nova geração. Trata-se, como tenho arriscado a dizer, de reconhecer o surgimento de um novo sujeito político e de mudanças no ambiente social e cultural em que a política acontece. O imprevisível ronda o palco dos acontecimentos.
Um desejo forte começa a expressar-se claramente. Milhões de pessoas escolhem qualidade de vida, e não consumo irrefletido; serviços públicos de qualidade, e não grandes obras inúteis; conservação do ambiente e valorização da vida, e não especulação e devastação. Os povos querem desenvolvimento econômico e social, que é muito além do "crescimento".
Ninguém mais alimenta ilusões em partidos salvadores da pátria, democratas ou republicanos, mas até neles podem ocorrer realinhamentos, novos espaços de ação e novos significados para a política. Portanto, boa sorte aos nova-iorquinos. A esperança está em toda parte.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente
Fonte: Folha de S. Paulo
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