Saída deverá empurrar o custo para o Estado
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que pode pôr fim ao financiamento de empresas às campanhas eleitorais é o que mais se aproxima de uma reforma política radical, desde que clamores mais fortes por mudanças surgiram há cerca de 20 anos.
Os ministros do Supremo começaram a botar a mão num vespeiro. Mas, pelo discurso dos magistrados, eles parecem encarar a tarefa como se fossem doutores completamente seguros de como fazer a operação num paciente cujos sintomas são, há tempos, associados a uma espécie de doença crônica.
No entanto, nem o colegiado do STF é especialista na matéria, nem o sistema político está decrépito como muitos insistem em diagnosticar.
Quatro dos 11 ministros da Corte já votaram a favor da proibição. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deve ser retomado neste semestre. A tendência é que o Supremo dê um prazo para que o Congresso mude as regras em 24 meses.
Os magistrados querem derrubar o modelo baseado majoritariamente em doações de empresas, mas não sabem o que colocar no lugar.
A consequência, contudo, é previsível. Como o Brasil - e a maioria das democracias no mundo, à exceção da americana - não tem a cultura de doações de campanha pulverizadas feitas pelos cidadãos, a saída deverá ser empurrar a conta para o Estado - ou seja, para o contribuinte - por meio de um grande fundo que banque as eleições.
Uma das soluções pregadas por entidades como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a OAB é estimular as doações de pessoas físicas - no limite de um salário mínimo. É muito pouco. Dada a desconfiança da população em relação aos partidos políticos, o montante que pode ser daí amealhado não arcará nem com o custo de campanhas franciscanas.
Democracia de massa requer dinheiro. O eleitor já está acostumado a um padrão de qualidade de propagandas eleitorais bem produzidas, que não destoam muito, na técnica, do restante da programação de rádio e TV onde são veiculadas. Se, mesmo assim, a atenção dispensada aos programas eleitorais geralmente está aquém à da audiência das emissoras, o panorama que se desenha será, na verdade, de um estímulo ao alheamento do cidadão ao processo eleitoral - com campanhas modorrentas - ou ao financiamento por baixo dos panos - o caixa dois, que tende a se proliferar.
Para evitar esse cenário é que restará ao Congresso poucas opções a não ser criar um grande fundo estatal para bancar as campanhas. Não será o financiamento exclusivamente público - tal como defendido por alguns partidos, PT à frente - já que poderá estar combinado com as contribuições de pessoas físicas. Mas a busca por estabilidade levará os políticos a confiar mais nos recursos de um fundo com dotação orçamentária prevista e polpuda do que em parcas doações de simpatizantes.
Numa demonstração de como o problema é mais complexo do que vem sendo tratado pelo Supremo, a criação do fundo, por sua vez, exigirá critérios de distribuição. A lógica é que, pela tradição eleitoral, os partidos maiores fiquem com as maiores fatias - o que distorcerá o ideal da igualdade de condições de disputa, no qual se baseiam os argumentos contra o suposto desequilíbrio promovido pelo poder econômico das empresas a favor de determinados partidos e candidatos. Do outro lado, siglas menores ficarão com um butim pequeno, mas suficientemente vultoso a ponto de despertar as frequentes críticas de que dinheiro público está caindo nas mãos de donos de legendas de aluguel.
Com isso, o sistema fica mais fechado e mais propenso ao descontentamento da população. Sem contar a alta probabilidade de que o caixa dois se estabeleça em níveis mais elevados.
Objeções de outra natureza são feitas por profundos conhecedores - embora não desinteressados da luta política - das engrenagens do financiamento eleitoral. Um deles, que prefere o anonimato, chama a atenção para o fato de que a decisão do Supremo pode gerar um desequilíbrio, ao tirar uma das pernas do sistema político. Para esta fonte, a legislação eleitoral - como qualquer lei - é resultado de uma correlação de forças, de uma composição de interesses. Prevê benefícios para alguns grupos mas tem, no geral, um equilíbrio. E permitiria, na prática, pela falta de fiscalização, que segmentos da sociedade, como sindicatos e igrejas, exerçam influência eleitoral.
"A lei cria uma série de privilégios para vários grupos e teoricamente esses privilégios se equilibram razoavelmente. Na hora em que você tira uma das pernas desse equilíbrio, você está fazendo uma lei que, sob pretexto de tirar um privilégio, você acaba beneficiando um grupo. Claramente, beneficia o governo e o PT", aponta.
O interlocutor afirma que é ilusão acreditar que o empresariado abrirá mão de exercer sua influência sobre o processo eleitoral. "O poder econômico é um poder. Já viu um poder abrir mão de seu poder? Você acha que existe algum setor da sociedade que abra mão de seu direito de influenciar a eleição? Querer regular isso é besteira", diz.
Tampar à força esse poder, cogita a fonte, poderá levar à invenção de novas formas de participação dos empresários. Um grupo deles, por exemplo, poderá se reunir para fazer um jornal de distribuição gratuita pelo qual pode liquidar um candidato ou eleger outro, "com a maior cara de pau". Seria uma alternativa à proibição, afirma, ao lado do caixa dois, expediente largamente utilizado, lembra, na maior democracia que proíbe o financiamento privado.
"Me diz o último presidente francês que não foi acusado de caixa dois? Todos foram", destaca.
Para o interlocutor, no entanto, a ideia de que as doações de empresas são decisivas em determinar vitórias eleitorais não passa de um mito. "Não tem financiamento que vá torcer o resultado da eleição. Mesmo para a Presidência, o candidato passa a ter mais doações porque já tem vento a favor e vai ser o ganhador", argumenta.
Fonte: Valor Econômico
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