sábado, 8 de fevereiro de 2014

Luiz Carlos Azedo: Tribunal nas redes sociais

A defesa do justiçamento na internet só não é mais nefasta do que os próprios crimes cometidos no Rio de Janeiro e divulgados na última semana. No país dos Felicianos, arrotam-se direitos e defende-se justiça com as próprias mãos, com a desculpa de que o Estado não ampara os "justos"

Você pode ser de direita, de esquerda, de centro, de lado, defender ou criticar rituais tântricos. Você pode ser contra ou a favor da ingestão de bebidas alcoólicas, sexo antes do casamento ou mesmo desaprovar o vestibular seriado e aprovar o Bolsa Família. Você tem todo o direito de se posicionar sobre aborto, maconha, redução da maioridade penal, Mais Médicos ou qualquer tema mais controverso e partidário. O que você não deve fazer é apoiar um crime. Ou pelo menos não deveria aplaudir o absurdo. O justiçamento é crime, um desrespeito ao Estado, uma afronta à lei dos homens. Refiro-me aqui aos homens honestos e não aos covardes, capazes de amarrar um adolescente de 15 anos, nu, num poste do Flamengo, o bairro carioca, ou de executar, na Baixada Fluminense, um homem acusado formalmente de roubar um telefone celular. Os fatos, divulgados num intervalo de uma semana, mostram como o tribunal das redes sociais só não é mais nefasto do que os próprios crimes ocorridos no Rio de Janeiro.

As imagens dos dois absurdos invadiram a internet e ganharam proporções, principalmente, no primeiro caso, a partir de comentários desmedidos disparados por uma apresentadora de televisão. No último dia de janeiro, um grupo de 15 fascistas prendeu o rapaz acusado de furto e, antes de amarrá-lo pelo pescoço com um cadeado de bicicleta, espancou o suspeito. Foi encontrado e fotografado nu. O outro crime, divulgado pelo jornal Extra, mostra um homem vigiado por outros dois antes de levar um tiro na testa disparado por um motoqueiro, em Belford Roxo, no Rio. Impossível imaginar quantos casos como esses ocorrem no Brasil todos os dias. Com as imagens, a polêmica se estabeleceu, mesmo que da forma mais rasteira, com argumentos toscos por parte dos defensores do justiciamento. O tal tribunal.

No país dos Felicianos, arrotam-se direitos e defende-se justiça com as próprias mãos, com a desculpa de que o Estado não ampara os “justos”. E assim seguimos mal, tateando uma falsa liberdade de opiniões, como se tudo pudesse ser dito. Os gênios idiotizados que acreditam ser maior do que as leis, constroem os tribunais nas redes sociais como se tudo valesse. Não vale. A possibilidade de injustiças sem mediadores é maior. Um princípio fundamental da Justiça estabelece que ninguém — é bom que se repita, ninguém — pode ser condenado sem direito à defesa. Os nossos justiceiros devem ser comparados a ditadores, que desrespeitam as leis. Apoiar ou aplaudir tais homens é defender criminosos. Não, mesmo com toda a violência do país, a atitude de vingadores não é compreensível. Muito mais corajoso seria cobrar segurança dos governantes. Os defensores dos justiceiros estão do lado dos covardes.

Apropriação de um gesto
Outra coisa. A imagem do punho cerrado não pode ser atribuído a apenas um movimento, seja de esquerda, seja de direita. O gesto serviu tanto a negros norte-americanos dos Panteras Negras como a brancos europeus do White Power, por mais que a imagem definitiva da saudação tenha sido feita por Tommie Smith e John Carlos, medalhas de ouro e bronze nos 200m nas Olimpíadas da Cidade do México, em 1968. Com eles, sabia-se o que se estava defendendo: direitos civis. A questão é por que petistas continuam a levantar o braço e fechar a mão a cada episódio envolvendo o mensalão, mesmo com o incômodo da equipe de campanha da presidente Dilma Rousseff?

A resposta imediata é que esses petistas são animadores de torcida. E que o tal incômodo do Planalto é um tanto falso. Cada gesto dos mensaleiros serve para sacudir as bases de petistas espalhados pelo país — grupo formado por militantes profissionais com cargos no governo ou simpatizantes. Assim, por mais que o Planalto possa temer a contaminação das imagens de mensaleiros na campanha de Dilma, o risco é calculado, afinal a militância gosta. Depois de José Genoino, José Dirceu, João Paulo Cunha e André Vargas, só falta agora Henrique Pizzolato levantar a mão e cerrar os punhos. Ficaria ótimo na foto.

Fonte: Correio Braziliense

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