Dilma tornou pessoal disputa que deveria ser política
Até se eleger líder do PMDB, o deputado Eduardo Cunha era conhecido como operador do ex-governador Anthony Garotinho, com frequência era acusado pelo Palácio do Planalto de contrabandear emendas a medidas provisórias editadas pelo governo e um aplicado vice-líder do atual presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves. É certo que liderava a segunda maior bancada, com 76 deputados, mas seu raio de influência e ação era a política do Rio de Janeiro.
O feito mais notável de Eduardo Cunha, em sua época de vice-líder, fora o engavetamento da MP que prorrogava a cobrança do imposto do cheque, 90 dias que inviabilizaram a aprovação da medida no Senado - a votação ocorreu no dia 13 de dezembro, quando já não havia mais tempo para articulação e negociação entre os partidos. Segundo a versão nunca desmentida, Cunha queria indicar para a diretoria de Furnas e o remancheou enquanto foi possível.
Cunha foi eleito líder com dificuldade. No primeiro turno, teve 40 votos, contra 39 dados a dois outros deputados. No segundo turno contra Sandro Mabel (GO) ganhou por 46 a 32 e duas abstenções (a soma dá 81, mas atualmente o PMDB tem 76 deputados devido a licenças e trocas de partido). Para 2014 Eduardo Cunha nem teve adversário: foi aclamado pela bancada. E hoje não lidera apenas o PMDB, mas um "blocão" que nasceu com 279 deputados e agora está com 165.
O "Blocão" de certa forma se assemelha com o "Centrão" que atuou na Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988). O "Centrão" chantageava o governo da mesma forma, mas tinha algum verniz ideológico. Foi organizado pelo deputado Luiz Eduardo Magalhães, morto em 1998, para disputar com as esquerdas questões como reforma agrária, o papel do Estado na economia, a nacionalização do subsolo e direitos sociais. "O bloco foi criado para mudar o padrão de intervenção do Estado na economia", diz Antonio Augusto Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), personagem ativa nos bastidores da Constituinte.
O "Centrão" ficou mais conhecido como um grupo criado para aprovar os cinco anos de mandato para José Sarney - o atual senador foi eleito indiretamente para um mandato de seis anos, mas a oposição queria lhe dar apenas quatro. Já o "Blocão" é Eduardo Cunha graças à presidente Dilma Rousseff, que comprou briga para baixo, quando poderia ter escalado alguém para bater-boca com o líder do PMDB. A presidente transformou em pessoal uma questão política. Prova disso é que se recusa até a mencionar o nome deputado.
Numa dessas conversas sobre Eduardo Cunha, Dilma chegou a dizer que preferiria não se eleger a se sujeitar "a esse tipo de chantagem". Parece marketing, uma reedição da "faxina ética" que a presidente patrocinou no ministério no primeiro ano, só para mais tarde devolver os cargos para os mesmos partidos que havia defenestrado. Quando escolheu o adversário para bater, a presidente avaliava que o problema na Câmara era individual e se chamava Eduardo Cunha. Não era, é fato, a insatisfação na base aliada. E seu porta-voz é Eduardo Cunha.
Não houvesse insatisfação na coalizão governista e o líder do PMDB não conseguiria reunir 279 para constituir o "Blocão" - hoje reduzido a 165 menos por causa da eficiência da coordenação política do governo e mais porque os deputados que abandonaram o barco já enviaram o recado que desejavam mandar para Dilma. O PSD, por exemplo, saiu formalmente do "Blocão", mas seus deputados estão divididos em relação ao governo.
Os deputados evidentemente travam uma disputa fisiológica com o governo. Mas quem estabelece as regras da relação é a presidente da República. E os exemplos não têm sido edificantes, basta ver as idas e vindas na nomeação de ministros ou a negociação em praça pública da liberação de emendas parlamentares. Isso sem falar nas declarações atribuídas a Dilma e a assessores graduados de menosprezo aos congressistas, como se todo senador e todo deputado fosse corrupto. Ao criminalizar a política, Dilma despertou um monstro bem maior que Eduardo Cunha: o corporativismo.
Independentemente dos problemas que Eduardo Cunha possa ter, ele fala a linguagem dos deputados. O líder expressa o sentimento da bancada quando diz que o PMDB tem ministros, mas não manda nos ministérios; assombra a coalizão governista inteira quando fala que o PT quer se tornar um partido hegemônico. Desde a eleição do deputado Severino Cavalcanti, o baixo clero da Câmara compreendeu a força que pode mobilizar - indicou até um ministro para o governo Dilma (Pedro Novaes, Turismo, varrido na faxina).
Os líderes do PT na Câmara estão incomodados. Semana passada fizeram uma ginástica no plenário da Câmara para defender a Petrobras sem falar mal da presidente da República. A direção nacional do PT também está preocupada com o episódio da nota sobre a compra de uma refinaria em Pasadena, a preço superfaturado, uma trapalhada que serviu apenas para colocar Dilma no centro de um furacão que nada tem a ver com a presidente. No mínimo, Dilma sai desse episódio com a imagem de "gerentona" arranhada, o que a oposição certamente vai utilizar na campanha eleitoral.
Não há risco de o PMDB romper a aliança com o PT. E é improvável a criação de uma CPI para investigar a compra da refinaria. Mas o Palácio do Planalto também precisa ajudar a esfriar a crise. Por enquanto, é Eduardo Cunha quem pauta o debate político na Câmara. É o "lider da corporação".
Nessa condição, transforma-se num candidato viável a presidente da Câmara, que é o seu próximo objetivo político. Se Henrique Eduardo Alves concorrer ao governo do Rio Grande do Norte, Eduardo Cunha é a bola da vez do PMDB. Com o discurso da corporação, pode surpreender o PT, mesmo que o partido eleja a maior bancada.
Na disputa com a presidente, só Dilma é quem tem a perder, justamente porque é dela a obrigação de vencer.
Fonte: Valor Econômico
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