Ao contrário da política externa "ativa e altiva" nos oito anos de Lula, o atual governo retraiu-se e evita tratar questões relevantes que o Brasil, pelo seu peso no cenário externo, não pode ignorar.
Nas votações nas Nações Unidas, além do voto afirmativo, do negativo e da abstenção, os diplomatas, sempre criativos, inventaram outra forma de permitir que os países evitem ter de se manifestar em importantes votações, mesmo estando presentes nos debates e na própria reunião decisória: a "não participação".
Recolhi alguns episódios de domínio público - haverá (muitos) outros que não foram tornados públicos - em que fica evidenciada a decisão de não participação brasileira. Na maioria dos casos, o Brasil - contrariando a opinião do Itamaraty - é levado a omitir-se por motivos diversos, inclusive ideológicos ou partidários.
A decisão de não enviar o ministro do Exterior a reunião sobre a Síria em Genebra. O Brasil - muito bem representado pelo secretário-geral, Eduardo dos Santos - foi incluído no encontro, restrito a um grupo limitado de países, a pedido da Rússia, que, juntamente com os EUA, o convocou para tentar discutir uma solução negociada para a crise militar que matou mais de 120 mil pessoas.
A ausência do Brasil na Conferência anual de Segurança realizada em Munique, fórum conhecido pela oportunidade que oferece para conversas informais sobre as crises internacionais e as negociações em curso entre diplomatas e ministros da Defesa de todo o mundo. Entre os participantes estavam o mediador da ONU na Síria, os ministros do Exterior da Rússia e do Japão e os secretários de Estado e de Defesa dos EUA.
A omissão do governo brasileiro no tocante ao asilo de senador boliviano. Depois de concedido o asilo pela Embaixada em La Paz, nada foi feito para que o salvo-conduto fosse concedido por Evo Morales, conforme previsto nos tratados regionais.
O silêncio do governo do Brasil, escondido atrás da posição do Mercosul e da Unasul, favorável ao governo de Nicolás Maduro, apesar do agravamento da atual crise política na Venezuela, com clara violação da cláusula democrática e dos direitos humanos.
A ausência do governo em relação aos acontecimentos na Crimeia.
A ausência do Brasil na negociação e na participação do Acordo sobre Serviços da Organização Mundial do Comércio (OMC), apesar de atualmente, na composição do produto interno bruto (PIB) brasileiro, o setor de serviços representar quase 60%.
A ausência do Brasil nas discussões sobre o impacto das negociações de acordos regionais e bilaterais de última geração negociados fora da OMC.
A ausência de uma posição firme do Brasil no tocante à convocação da reunião presidencial do Conselho do Mercosul. Pela primeira vez em 20 anos o conselho deixou de se reunir no semestre passado e até hoje não existe data para o encontro, que deveria discutir, entre outros temas, as negociações comerciais Mercosul-União Europeia.
A ausência de liderança do Brasil no processo de integração sul-americana e de revitalização do Mercosul.
Os episódios recentes envolvendo reuniões para discutir as restrições comerciais na Argentina e a situação política na Venezuela, em que a Presidência da República assumiu a condução do processo, deixando a Chancelaria à margem.
Esses fatos afetam a credibilidade do Brasil e repercutem sobre a percepção externa acerca da atuação do nosso país.
Ao lado do sumiço do Brasil, cresce a marginalização do Itamaraty, sobretudo no tratamento dos assuntos relacionados com os países vizinhos da América do Sul. Exemplo disso foi o afastamento da Chancelaria quando, por motivações ideológicas, a Presidência interferiu na decisão de suspender o Paraguai do Mercosul e na maneira como foi decidido o ingresso da Venezuela no bloco.
Nunca antes na História deste país a Presidência influiu tanto nas questões de competência do Itamaraty de analisar e recomendar cursos de ação para que a presidente possa tomar as decisões. Não são segredo o descaso com que o Itamaraty tem sido tratado nos últimos anos, até mesmo na questão orçamentária, e a pouca importância que tem sido dada às posturas tradicionais recomendadas pela Chancelaria para problemas que afetam diretamente o que seria, de fato, do interesse do Brasil.
Como já assinalei nesta página (Instituição em perigo, 10/9/2013), em razão de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios, o Itamaraty deixou de ser o principal formulador e coordenador das propostas e temas que têm como finalidade a projeção internacional do País.
A execução de políticas seguindo uma plataforma partidária certamente não estaria agradando ao velho Barão do Rio Branco, que ensinou que "a pasta das Relações Exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna". O Itamaraty não deve servir a um partido político, mas ao Brasil.
Surge agora outra perigosa novidade promovida pelo PT: a Presidência da República quer criar o Conselho Nacional de Política Externa, presidido pelo secretário-geral da Presidência, pelo assessor de Assuntos Internacionais e pelo ministro do Exterior. Discute-se se seria um órgão consultivo ou se teria competência para interferir na formulação e na execução da política externa. Caso criado - esteve a ponto de sê-lo ainda com o ex-ministro Antonio Patriota -, o conselho completaria o processo de esvaziamento do Itamaraty, apesar de representar uma flagrante violação do artigo 87, I, da Constituição, que dá atribuição exclusiva ao Ministério das Relações Exteriores para coordenar os órgãos da administração pública federal em sua área de competência.
Chegou a hora de restaurar o prestígio do Itamaraty e recuperar sua centralidade no processo decisório interno para a execução de uma política de Estado, tendo como único objetivo a defesa do interesse nacional.
*Rubens Barbosa é presidente do Conselho de Comércio Exterior da FIESP.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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