Até os detratores do ex-ministro José Dirceu reconhecem o viés persecutório com que é tratado na execução penal comandada pelo ministro Joaquim Barbosa
- Correio Braziliense
Nada mais enfraquecedor da crença na Justiça do que a percepção de que ela, em vez da justa punição, pratica a perseguição. Ou de que se vinga em um bode expiatório por não ter conseguido punir como desejava outros acusados. Essa percepção vem se ampliando diante da nítida exceção de tratamento dado ao ex-ministro José Dirceu, prisioneiro da Papuda e de um emaranhado de decisões que o mantêm no regime fechado embora tenha direito ao semiaberto, privando-o de direitos já concedidos aos outros condenados da ação penal 470, a do mensalão, como o de trabalhar fora. No centro da teia, estão o presidente do STF, Joaquim Barbosa, e parte do Ministério Público.
Em 14 de novembro passado, horas antes de expedir o primeiro mandado de prisão contra Dirceu, Genoino, Delúbio e outros, Barbosa deu o primeiro ponto na trama que lhe garantiria o controle total sobre a execução das penas dos condenados. Conforme revelou ontem o Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães, ele baixou naquela data a Resolução 470, estabelecendo que em ações penais julgadas pelo STF, “o relator ficará responsável pela execução penal dos condenados até o fim de suas penas”. No caso do mensalão, ele próprio. Tal inovação, dizem juristas e advogados, é inadequada porque ofende o princípio da separação entre julgar e executar penas, razão pela qual a lei prevê varas específicas para a segunda tarefa. Depois, porque subordina ministros da mais alta e atarefada Corte a funções subalternas. E ainda porque, mesmo tendo cargo vitalício, nem sempre um ministro estará no tribunal até o fim da pena de um condenado. Mas, garantido o poder de Barbosa, teve início para Dirceu uma execução penal com um viés persecutório, reconhecido até por seus detratores.
Do outro lado, no Ministério Público, soma-se a ação de procuradores que confundem a relevância da instituição intocabilidade. É o caso da procuradora Marcia Milhomens, que no curso da investigação da denúncia de que Dirceu falou ao telefone com um secretário de estado da Bahia, pediu a quebra do sigilo telefônico dos aparelhos usados em um perímetro coberto por determinadas coordenadas geográficas. Os advogados de Dirceu constataram que, posicionado entre a latitude 15º47’56.86” e a longitude -47º51’38.67”, fica o Palácio do Planalto, e entre a latitude -15º55’04.51” e longitude -47º47’04.51”, a Papuda. Depois, se soube que as coordenadas cobrem também o Congresso e o próprio prédio do STF. Só a prepotência explica a ousadia de querer quebrar centenas de sigilos na moita. Como só o procurador-geral teria poderes para pedir a quebra dos sigilos da presidente da República, a Advocacia Geral da União reclamou ao Conselho Nacional do Ministério Público. Esta semana, o corregedor do conselho, Alessandro Tramujas, pode decidir sobre a abertura de procedimento disciplinar contra a procuradora, que, segundo outros conselheiros, não tinha competência para tal.
Mas a sequência de medidas para manter Dirceu no regime fechado é bem anterior. A primeira ação polêmica de Barbosa no comando da execução penal foi a substituição do juiz titular da Vara de Execuções Penais, Ademar de Vasconcelos, por Bruno Ribeiro e dois auxiliares. Três dias depois eles denunciaram estar havendo “quebra de tratamento isonômico” na Papuda, um assunto que se tornou recorrente. Em janeiro, a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, replicou notícia de jornal baiano sobre a conversa que Dirceu teria tido no dia 6 daquele mês com o secretário James Correia. Ambos negaram, mas foi aberta a investigação e suspenso o segundo pedido para trabalhar fora, desta feita no escritório do advogado José Gerardo Grossi. No fim do mês, as autoridades carcerárias informaram ao juiz que concluíram pela improcedência da denúncia. Ele, entretanto, não arquivou o processo.
Com Barbosa de férias, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou o trabalho externo do preso, mas, graças ao fato de a diligência continuar aberta, na volta, Barbosa anulou a decisão de seu vice. Seu depoimento sobre o telefonema sofreu adiamentos, retardando o exame do pedido para trabalhar. Até que, no dia 15, Bruno Ribeiro deu seguimento ao pedido dissimulado de quebra de sigilos nos três Poderes, que a procuradora apresentou em fevereiro. A delonga ajudou a manter o preso na Papuda.
No Livro dos Levíticos, Aarão coloca as mãos sobre a cabeça de um bode e, segundo o judaísmo, para ele transmite todos os pecados do povo de Israel. Nasceu ali a figura do bode expiatório, que costuma fazer aparições na história política brasileira. Dos inconfidentes, só Tiradentes foi à Forca. Na Confederação do Equador, Frei Caneca foi enforcado, mas seus pares mais importantes escaparam para o exílio. Dirceu é o bode do mensalão.
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