- O Globo
Mais uma vez a seleção brasileira soçobrou ao peso da sua incompetência, aumentada pela enorme carga emocional com que cada um dos jogadores entrou em campo. Mais uma vez cantaram o Hino Nacional como se fossem guerreiros, e não jogadores de futebol. Mais uma vez disputaram o terceiro lugar para salvar a honra da pátria.
O que define bem o pensamento dos jogadores é a frase emblemática de Davi Luiz após a acachapante derrota para a Alemanha: “Só queria poder dar uma alegria ao meu povo, a minha gente que sofre tanto. Infelizmente, não conseguimos. Queria ver meu povo sorrir. Todos sabem o quanto era importante para mim ver o Brasil inteiro feliz pelo menos por causa do futebol”.
Nesta análise sociológica rasa, porém bem-intencionada, de nosso capitão-herói (e pobre de um país que precisa de heróis, como já disse Bertold Bretch) está simbolizado todo o peso que jogaram em cima da seleção brasileira mais uma vez.
Certamente essa ideia de que é uma responsabilidade de cada um dos jogadores dar alegria ao povo brasileiro “pelo menos no futebol” foi incutida neles nas intermináveis sessões de autoajuda em que o suposto técnico tratava do espírito de seus guerreiros, esquecendo-se de treinar jogadas, de montar esquemas táticos que neutralizassem nossos adversários.
Não se viu nos estádios nada parecido com uma organização de jogo, mas se viu muita emoção, símbolos diversos como a camisa de Neymar a indicar que ele estava presente, um 12º jogador em espírito.
O contraponto a essa opressão patriótica podia-se ver nos jogadores da Alemanha e da Holanda, andando tranquilos pelas praias onde estavam concentrados, dançando com índios na Bahia, dando autógrafos nas praias do Rio, misturando-se à multidão de torcedores.
A visão distorcida de uma missão dos jogadores para além das quatro linhas do campo, sobrecarregando-os a ponto de paralisar suas ações, é consequência de objetivos equivocados. Imaginar que é sua responsabilidade dar alegria ao povo brasileiro “pelo menos no futebol” já embute uma visão política crítica enganosa, como se uma vitória da seleção brasileira fosse suficiente para dar forças ao povo para aturar uma vida difícil.
Do ponto de vista do puro futebol, o alemão Özil resumiu bem a situação: “Vocês têm um país maravilhoso, um povo fantástico e jogadores incríveis — esse jogo não pode destruir seu orgulho!”. Já Podolski, depois de elogiar “a amarelinha”, afirmando que os “heróis que nos inspiraram são todos daqui”, deu um sábio conselho aos torcedores:
“Brigas nas ruas, confusões, protestos não irão resolver ou mudar nada. Quando a Copa acabar e nós formos embora, tudo voltará ao normal. Então, muita paz e amor para esse povo maravilhoso, um povo humilde, batalhador e honesto, um país que eu aprendi a amar”.
Nas visões dos jogadores brasileiros e alemães está a diferença: os nossos deixaram a técnica de lado para se dedicar de corpo e alma ao objetivo de serem campões aos trancos e barrancos, pois já começaram o campeonato “com a mão na taça”, como determinara o assessor técnico Parreira.
Os alemães, como disse Podolski em sua mensagem, realizaram em campo a técnica desenvolvida com muito esforço e dedicação nos anos anteriores, para se recuperar das derrotas a partir da Eurocopa de 2000. Sem misturar a pátria com o futebol, deixando a metáfora do grande Nelson Rodrigues na sua dimensão literária.
E muito menos misturar futebol com política.
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