• Fracasso da seleção é uma oportunidade para refletir sobre o atraso do futebol brasileiro e lançar novas bases para o esporte
A Copa do Mundo chega hoje a seu ápice, com a disputa do título pelas equipes da Argentina e da Alemanha. São dois adversários de tradição no futebol, que já se encontraram em outras duas finais: em 1986, no México, os sul-americanos triunfaram; em 1990, na Itália, a vitória foi dos europeus.
Aos brasileiros, que viram se frustrar o sonho de vencer um Mundial em seu país, cabe reconhecer os méritos dos finalistas e encerrar a festa como os bons anfitriões que têm sido desde o início.
Com os reparos que sempre se podem fazer, não há dúvida de que a Copa foi bem-sucedida; ficará nos anais da história como uma das mais emocionantes e surpreendentes já realizadas.
Embora tenha conquistado um lugar entre os quatro melhores, a campanha da seleção brasileira deixou muito a desejar. Como admitiu o craque Neymar, em nenhum momento o Brasil teve em campo um desempenho à altura de suas glórias futebolísticas.
A derrocada, que se consumou nos 7 a 1 para a Alemanha e se reforçou nos 3 a 0 para a Holanda, oferece oportunidade para a reflexão e a ação. Será uma lástima se o futebol brasileiro não conseguir extrair daí lições que o levem a superar suas precariedades estruturais, a começar pelo caráter amadorístico, patrimonialista e, não raro, corrupto de sua gestão.
Durante décadas, a administração do esporte mais popular do país assumiu um perfil quase extrativista: entidades e dirigentes voltavam-se à exploração da admirável capacidade do Brasil de produzir talentos futebolísticos.
Jovens das classes populares acorriam em massa aos clubes. Tratava-se apenas de peneirá-los para descobrir as pedras mais valiosas, que logo atrairiam multidões aos estádios e surpreenderiam o mundo com sua inventividade.
Mas o país mudou; as condições socioeconômicas que propiciavam essa realidade já não existem. Ao mesmo tempo, o planejamento e a gestão do futebol na Europa avançaram de maneira notável. A globalização do esporte levou o velho continente a contar com os melhores atletas do mundo e a conviver com excelência inédita.
O Brasil logo se conformou com o papel subdesenvolvido de exportador de matéria-prima. Seu futebol, internamente, viu-se condenado à indigência, ao endividamento e ao desinteresse dos torcedores.
Já há alguns anos, contudo, pressões modernizadoras se fazem sentir em setores da imprensa, em iniciativas de alguns clubes, em áreas restritas da política e, por fim, entre os principais artífices do espetáculo --os jogadores.
O surgimento do Bom Senso Futebol Clube, associação que congrega atletas interessados no aperfeiçoamento da gestão do esporte, é sem dúvida um sinal auspicioso.
Tais movimentos, contudo, têm esbarrado num conluio de dirigentes --a começar pelos que comandam a poderosa CBF-- com políticos e parlamentares que formam a chamada "bancada da bola". Trata-se de frente empenhada em defender o status quo.
É o status quo, todavia, que está em xeque depois do vexame diante da Alemanha. Enfraquecidas as correntes retrógradas, abre-se a melhor oportunidade em décadas para um esforço modernizador.
Há a perspectiva, por exemplo, de serem aprovados instrumentos legais que induzam à responsabilidade fiscal do futebol. O endividamento de clubes com o poder público surge, mais uma vez, como chance de exigir contrapartidas.
Não faz sentido, porém, perdoar tais débitos. Estima-se que girem na casa de R$ 4 bilhões, mas o descalabro é tal que nem se conhece a cifra exata. Vale lembrar, ademais, que programas de recuperação fiscal, como o que se discute no Congresso, já foram lançados --e descumpridos-- no passado.
Se é verdade, por outro lado, que o futebol tem inegável dimensão pública e que a CBF explora as cores da bandeira brasileira e o sentimento de nação --que não são bens privados--, nem por isso faria sentido apoiar uma intervenção estatal nesse esporte.
O caminho é outro. Passou da hora de os compromissos com a modernidade serem assumidos por aqueles que respondem pela maior fatia da sustentação financeira da atividade: os grandes patrocinadores e a Rede Globo. Basta dizer que os recursos da TV equivalem a 40% da receita dos clubes --além da divulgação de suas marcas.
Só uma reação em conjunto, congregando os interessados na criação de bases sustentáveis e racionais para o futebol, poderá mudar o quadro atual, que beneficia apenas uma casta de dirigentes.
A Alemanha deu mais que uma lição de futebol. Aquele país soube orquestrar um plano para formar jovens talentos e fortalecer seus clubes. Um programa como o que lá foi implementado poderia --e deveria-- ser adaptado ao Brasil. É preciso mudar. E a hora é essa.
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