- O Estado de S. Paulo
Os fatos, assim como os desejos, não são dignos de confiança. Desobedientes, costumam criar pernas, nem sempre se realizam conforme o ansiado e têm parte com o inesperado.
Essa campanha é a prova cabal. O eleitorado deixou patente o desejo de mudanças. Primeiro nos protestos dos jovens de junho de 2013, com apoio massivo da população antes de degenerarem para a violência, e depois nas pesquisas de opinião.
Ao longo da jornada eleitoral, os fatos se embaralharam de tal forma – notadamente depois da dramática entrada em cena do imprevisível – que as mudanças se sucederam no processo e pode ser que não se expressem no resultado, pois a presidente Dilma Rousseff, representante da continuidade, encerra a etapa preliminar como favorita.
Ressalvada alguma nova surpresa do imponderável, a candidata à reeleição chega ao dia da eleição com o oponente do segundo turno ainda indefinido, em cenário de luta acirrada pela vaga semelhante ao de 1989.
Naquele primeiro pleito pelo voto direto pós-regime militar, Luiz Inácio da Silva e Leonel Brizola disputaram milímetro a milímetro o espaço das urnas. Lula ficou com a vaga por 16,08% da preferência do eleitorado e Brizola perdeu com 15,45% dos votos. Fernando Collor venceu com 28,05%.
O eleitorado do presidente do PDT certamente acompanhou a orientação do líder e majoritariamente votou no PT. Não adiantou. Fosse ao contrário é de se supor que Lula também orientaria o voto em Brizola. A despeito das divergências conhecidas e mágoas até hoje não de todo reveladas, os dois seguiram aliados e em 1998 concorreram na mesma chapa; Lula a presidente, Brizola a vice.
Em 89, se Brizola tivesse passado para o segundo turno, mesmo com o apoio do PT dificilmente teria vencido Collor. Hoje, entre várias tolices que se contam como verdades históricas, atribui-se a vitória a uma edição do último debate entre Lula e Collor na TV Globo. Muito conveniente para expiar a culpa coletiva, mas a verdade é que a maioria estava eletrizada por aquele arrivista que se fantasiava de salvador da pátria.
Tinha um marketing poderoso, o apoio de todos os meios de comunicação, que resolveram ignorar suas peripécias na prefeitura de Maceió e no governo de Alagoas para alimentar o conto do caçador de marajás. Ele contava ainda com o temor difuso de governos de esquerda. Neste aspecto Brizola era tão (ou mais) bicho papão quanto Lula.
Portanto, aquele segundo turno era fava contada. Esse de agora não é. De onde a semelhança entre as duas situações (a de 89 e a de 2014) guarda relação apenas com a disputa acirrada pela vaga do segundo turno. Circunstâncias, candidatos, atmosfera e condições objetivas são completamente diferentes.
Fernando Collor era uma abstração. Dilma e o PT representam 12 anos de poder que estarão em julgamento. Para o bem e para o mal. A campanha da reeleição resolveu, como vacina, pôr o assunto corrupção na roda. Correu um risco, no primeiro momento parece ter convencido de que fez o papel de combatente, mas as provas da delação premiada de Paulo Roberto Costa estão começando a aparecer e a canoa pode virar.
Além disso, há os próprios candidatos. Se for Marina Silva a oponente, dificilmente o PSDB deixará de entrar na campanha para derrotar o PT. Mas ela já se mostrou pessoalmente mais fácil de ser massacrada. Os petistas encontraram a fórmula e Marina parece ter perdido a receita que enfeitiçou o eleitorado.
Se o escolhido for Aécio Neves, o PSB e sua estrutura minguada terão pouco a oferecer. A posição da ex-senadora ainda é dúvida. Valerá mais o sentimento oposicionista, a perspectiva de alternância, a organização partidária, o peso de candidatos proporcionais eleitos e governadores de peso reeleitos no primeiro turno e, sobretudo, a capacidade do PSDB de fazer frente à guerra de extermínio que haverá.
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