- O Globo
São grandes as semelhanças entre as dificuldades políticas e econômicas que o primeiro governo petista enfrentou a partir de 2003 e as que está enfrentando agora o governo da presidente reeleita Dilma Rousseff, e no entanto as condições são tão dessemelhantes que é temerário imaginar que a repetição das ações que deram certo 12 anos atrás para superar a tragédia política de então possa ser uma solução, e não simplesmente uma farsa.
A começar por que aquele seria o primeiro ano de governo petista, depois de três tentativas frustradas, e quem estava à frente era Lula, um dos maiores líderes políticos brasileiros dos últimos tempos, goste-se dele ou não. Ambos, PT e Lula, entravam no governo com a aura de salvadores da Pátria, ainda blindados pelo desejo da maioria da população de seriedade política que representavam.
Hoje, 12 anos depois, não mais. Nem o PT, nem Lula, muito menos Dilma, representam a política na sua acepção mais nobre que os cidadãos continuam almejando. Pelo contrário, para boa parte da população, são exemplos de corrupção da política, no sentido mais amplo.
Na questão econômica, bastou que o governo Lula, depois de divulgar a Carta ao Povo Brasileiro, demonstrasse com atos a disposição de tornar realidade as promessas feitas, com uma política econômica ortodoxa, para que o aperto monetário e fiscal fizesse a inflação desabar. Questões internas, como o desemprego alto na ocasião, impediram que os salários se valorizassem. E o boom das commodities, com a China em plena expansão, levou o país ao crescimento em prazo relativamente curto.
O economista da FGV do Rio Armando Castelar escreveu um belo artigo no Valor de ontem explicando esses detalhes econômicos que diferenciam o ajuste de 2003 daquele que terá que ser feito hoje. Assim como as condições econômicas são mais adversas, a situação política é completamente diferente. À frente do projeto econômico de Lula havia o petista de raiz Antônio Palocci, que tinha cacife para chamar para o Banco Central um banqueiro internacional tucano, Henrique Meirelles.
Dilma, ao contrário, chamou para comandar sua equipe econômica um tucano de carteirinha, Joaquim Levy, que trabalhava na equipe de Aécio Neves sob o comando de Armínio Fraga, demonizado pelo PT na campanha presidencial. O próprio Levy já fora alvo preferencial dos petistas quando trabalhava na equipe econômica de Palocci.
O governo Lula só teve que enfrentar a crise do mensalão dois anos depois de ter começado, quando a política econômica já estava dando resultados. Os programas sociais começavam a se fazer efetivos nas regiões mais pobres, e os movimentos sociais ainda tinham a legitimidade que já perderam hoje. E mesmo assim quase soçobrou.
Hoje, o petrolão atinge em cheio o governo Dilma ainda no estertor do primeiro mandato, e entra pelo segundo sem dar trégua. A oposição está muito mais forte no momento, depois de um resultado eleitoral excepcional, e as manifestações populares contra o governo petista, mesmo com seus altos e baixos e desvios radicais que precisam ser controlados, são a demonstração de que o país dividido que saiu das urnas não está disposto a dar ao novo governo o benefício da dúvida.
O clima político do país é instável, e o governo, mesmo reeleito, não demonstra ter condições de revertê-lo, seja pela notória dificuldade que a presidente Dilma tem de fazer política, seja pela falta de assessoria eficiente nesse ramo. O que vai definir realmente o quadro nacional é a relação dos políticos envolvidos no megaesquema de corrupção da Petrobras, que já se sabe agora que está espalhado por outros setores do governo.
A partir daí o clima político, que já está carregado, passará a ditar o ritmo da crise a partir de um Congresso sitiado, onde uma nova CPI da Petrobras será inevitável. Quando o principal suporte do governo é o presidente do Senado, Renan Calheiros, já citado entre os beneficiários do petrolão em delações premiadas, vê-se o tamanho da encrenca que o governo tem pela frente.
O governo não terá a melhoria econômica para ajudá-lo pelo menos nos dois primeiros anos, e não terá, sobretudo, um carismático líder político a liderá-lo. Mesmo por que Dilma não é Lula, e o Lula de hoje já não é o Lula de 2003, nem o PT é o partido-símbolo da ética na política. Ao contrário.
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