A oposição parece ter finalmente assumido o papel que seus eleitores dela esperam. Os últimos dias testemunharam aguerrido comportamento de deputados e senadores oposicionistas para expor a indecorosa manobra promovida pelo governo para driblar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Fossem outros os tempos - nem tão distantes assim, diga-se -, o Brasil decerto testemunharia mais uma vez uma atitude bovina desses políticos ante o trator governista, que só enfrentava dificuldades reais em sua própria base de apoio, ávida por prebendas. Agora, pelo visto, o governo terá de se habituar a uma resistência bem menos obsequiosa.
A polarização que marcou a eleição presidencial, estimulada em grande medida pela campanha petista, acabou gerando o clima de confronto que sobreviveu à votação de outubro passado. A presidente Dilma Rousseff reelegeu-se demonizando seus adversários e os acusando de conspirar com banqueiros e capitalistas em geral para roubar a comida do prato dos pobres. Sem nenhum escrúpulo, o governo e o PT estabeleceram uma linha divisória entre "nós" e "eles", e "eles", por serem "inimigos do povo", não têm direito à existência.
A dificuldade da eleição apertada, que por alguns momentos Dilma e sua entourage chegaram a imaginar perdida, deveria ter servido de alerta para que o governo percebesse que "eles" eram bem mais numerosos do que supunham e talvez fosse o caso de oferecer-lhes alguma forma de diálogo - como se espera, aliás, de qualquer governo democrático, pois Dilma não governa somente para o PT e seus associados, e sim para o conjunto da Nação.
No entanto, a presidente mal esperou que os votos esfriassem nas urnas para tornar a demonstrar seu já conhecido desprezo pelo Congresso. No discurso da vitória, em que se disse "disposta ao diálogo", retomou a proposta de uma reforma política por meio de plebiscito, atropelando as funções dos representantes políticos dos eleitores, algo que nem seus aliados aceitam.
O sinal de que o "diálogo" de Dilma mais se assemelha a um monólogo autoritário ficou ainda mais evidente no decreto com que chantageou os parlamentares para levá-los a aprovar o projeto que, ao desobrigar o governo de cumprir a meta de superávit primário estabelecida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano, camufla o fabuloso rombo nas contas públicas e busca eximir a presidente de suas óbvias responsabilidades.
No passado, quando atuou com semelhante truculência, Dilma encontrou no Congresso escassa disposição para enfrentá-la. Ficou à vontade, por exemplo, quando, no início de 2013, editou medida provisória para gastar R$ 42 bilhões no momento em que o Orçamento ainda não havia sido votado. Nenhuma voz dissidente se fez ouvir ou notar.
Agora, no entanto, a atmosfera é outra. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado à Presidência, assumiu o papel de porta-voz de uma parte substancial do País insatisfeita com os rumos da economia, descontente com o descalabro administrativo e escandalizada com a roubalheira na Petrobrás. Aécio transformou a tribuna do Senado em trincheira, a partir da qual faz os questionamentos que seus eleitores gostariam de fazer.
Além disso, os deputados oposicionistas trataram de dificultar ao máximo a tramitação da manobra governista, usando todos os instrumentos previstos no regimento da Câmara. O tenso e demorado embate permitiu ao País conhecer em detalhes a natureza indecente do decreto de Dilma e de sua emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias, além do desesperado esforço do governo para esconder as lambanças que fez na economia.
O governo acusou o golpe. O vice-presidente Michel Temer, por exemplo, queixou-se do comportamento "destrutivo" da oposição e disse que a função dela é "ajudar a governar". Esse protesto mostra o quanto o governo estava desacostumado a enfrentar resistência no Congresso - e milhões de brasileiros esperam que seja só o começo.
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