• Publicitários acham cedo para avaliações definitivas
- Valor Econômico
Uma hóspede sem teto chega à casa de seu anfitrião, que a recebe com as melhores condições possíveis de sobrevivência e abrigo, luxo até, estendendo-lhe o tapete vermelho e abrindo para ela o arsenal de foguetório. Aquela que está ali alojada na casa alheia, depois de curto período de gratidão, começa a voltar-se contra o salvador, e para isso tudo é pretexto. Da decoração da estalagem ao ciúme pela forma cordial como ele recebe também o séquito da viajante de passagem.
Acusa-o de ter extremo mau gosto, critica seu sofá alaranjado e impõe que o troque por um esverdeado, mais a seu gosto. Avisa que ali se instalará por apenas quatro meses, mas nessa fase não aceita cruzar com nenhum dos antigos amigos do dono da casa e exige que seu desejo seja uma ordem, como se direito fosse, até que consiga terminar a reforma da sua própria casa para se mudar em segurança.
O hospedeiro, feliz com a chegada de quem acreditava possuidora de uma varinha de condão para realizar seus sonhos, vai aceitando as imposições, aparentemente como ossos do ofício. Um ou outro dos amigos do hospedeiro se rebela e aparece no recinto, apesar das proibições, ousadia que enfurece a hóspede. É o que detona o ataque ao próprio dono do alojamento.
Marina Silva é a hóspede, Eduardo Campos, candidato do PSB à presidência, o hospedeiro. Candidata a vice, está alí abrigada, alegadamente apenas por um curto tempo, junto com seu pequeno séquito mais próximo de militantes ambientalistas e religiosos, enquanto continua a montar e registrar a sua própria agremiação, o Rede Sustentabilidade, de que será finalmente dona e de onde não precisará sair a cada vez que tiver uma de suas exigências recusadas pelos anfitriões que a receberam vida política afora.
Quando a abrigou, o candidato certamente imaginava ver transferidos votos que ela obteve na eleição de 2010 (19,3%), pelo menos aquela parte dos que não foram considerados de protesto. Isso não ocorreu, e, ao contrário, as atitudes da candidata a vice só reforçaram a sangria do apoio que Eduardo já possuia. Marina chegou reduzindo: tirou o agronegócio, a candidata melhor situada no Rio Grande do Sul, Ana Amélia, por ser do PP, para fazer aliança com o PMDB de José Sarney, protagonista nos ataques do candidato a presidente do PSB, chapa na qual é vice. Ambiguidade, confusão, incoerência. Tentou emplacar postes do Rede nas disputas de São Paulo e Minas Gerais, e não conseguindo promete sabotar. De sua região, a Amazônia, não se tem notícias de vantagens.
Esse desfazer foi sempre acompanhado de declarações reducionistas, deselegantes, arrogantes, como se líder de uma ONG em campanha presidencial fosse. Quem apostava na candidatura para valer não entende o descompromisso.
Apenas Marina Silva é o agente causador desse constrangimento na campanha de Eduardo? Não, o candidato a presidente é o maior responsável. Escancarou as portas sem que, como se faz em qualquer pensão, apresentasse à assinatura da hóspede as suas regras. Parece que nada combinaram. Apresentar como básico a manutenção das alianças históricas do seu partido, as soluções dadas pelos diretórios regionais, a manutenção das condições para fazer uma boa bancada, nada disso parece ter constado do decálogo de praxe.
O PSB não estava à venda, tinha seu rumo e seus métodos, e o ainda inexistente Rede, com o traquejo de um diretório estudantil, tomou-o de assalto, mas apenas por uns meses.
Eduardo Campos podia conhecer a personalidade de Marina e seu grupo restrito, mas não achou necessário armar redes de proteção. Faltou até agora, na sua campanha, um seguro planejamento. Sofre, também, a ausência de uma equipe profissional com experiência nacional. Hoje quem comanda é o sociólogo e marqueteiro argentino Diego Brandy, autor das campanhas de eleição e reeleição para o governo de Pernambuco. E falta também uma administração forte, hoje diluída, inclusive para gerir o problema Marina. Que poderia ser um patrimônio da campanha, mas tem sido fator de desestabilização.
Disso surgem os boatos de deserção precoce da candidata a vice, de preparação do embarque do candidato a presidente na candidatura Lula, se vier o ex-presidente a trocar de lugar com Dilma. Desrespeito político do qual Eduardo e Marina não podem se queixar, pois está óbvio que a campanha de Eduardo não se preparou para o descompromisso de Marina com a vitória.
As engrenagens para alavancar Eduardo estão emperradas, mas a pesquisa Datafolha do último sábado, confirmada ontem pelo Ibope, completa um panorama eleitoral em que apenas o candidato do PSDB, Aécio Neves, está em situação de melhora, devagar, é verdade, mas sempre.
A avaliação da candidata à reeleição e em queda, Dilma Rousseff, se aproxima perigosamente dos 30% no Datafolha, quando se considerava que 40% era o índice seguro para, mesmo passando ao segundo turno, garantir a eleição. Depois de um período de extrema exposição Brasil afora, depois do programa eleitoral do PT, depois de visitar todos os Estados, depois de dar inúmeras entrevistas sobre a Copa, depois de campanhas de publicidade do governo na TV.
Apontado pela pesquisa, e também ruim para Dilma, é o anseio de mudança, que continua alto: acima dos 70%. E há uma terceira má notícia, medida apenas na antiga pesquisa Ibope de duas semanas atrás mas que precisa ser revertida: na declaração sobre em quem o eleitor não votaria de jeito nenhum (rejeição específica) Dilma pontuou 43%. Muito alto esse índice, o mesmo de José Serra no segundo turno de 2010.
Ou Dilma se recupera e inverte radicalmente a curva de avaliação, ou cede expressivamente o anseio de mudança dos brasileiros e se reduz a taxa de rejeição, ou ficará tecnicamente difícil apostar na vitória líquida e certa. Há tempo e recursos de campanha para mudar esse quadro, muito mais para ela do que para Eduardo Campos e Aécio Neves, uma vez que três em cada três publicitários de campanha continuam considerando cedo para avaliações definitivas.
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