Que seria de nós, os longínquos habitantes dos esquecidos rincões do interior desse Brasil, se não fosse a lua? Ela, a eterna amiga dos fantasmas, dos poetas, dos amantes e desamantes e dos lobisomens, a mãe dos continentes e de todas as lendas noturnas?
Esquecida pelos habitantes das grandes cidades, ofuscada pelo pisca-pista das discotecas, pelo brilho civilizado das lâmpadas de mercúrio, ela, no entanto, permanece fiel aos homens. E La longe, onde o galo ainda canta de madrugada, a lua é a rainha da noite, a dona da praia, derramando prata sobre o mar, sobre os telhados antigos, de séculos, onde gatos se amam na liberdade plena.
Era numa noite assim, de bordados em sombra sobre as calçadas , quando até o silêncio calava na paz completa do interior das casas coloniais, dormindo junto com todos, que o tio Mateus, como era conhecido, surgia, não se sabe de onde, com seu violão plangente, gemendo as notas da solidão:
“Tu não te lembras Maria,
quando uma noite
me desses um beijo?
A lua estava tão linda,
como esta que no céu eu vejo!"
O tio Mateus andava só. Era muito alto e vermelho, de olhos pequenos e azuis. Quando estava bom era sapateiro e consertava sapatos para toda a Ilha. Quando ficava louco desaparecia de casa, levando consigo o violão e a peixeira. Passava dias sem comer e ninguém conseguia encontrá-lo. Fugia para o mato e aí ficava. Mas na noite alta de lua fina e pura, quando já toda a ilha dormia, ele vinha pelas calçadas, sentava-se nas escadas do cruzeiro, em frente à igreja e aí, com sua voz grave e triste, derramava sua dor pela ilha inteira...
“foi nesta noite tão linda,
que juramos nosso amor
e em troca do beijo me desses
Uma flor!"
As moças despertas pelas inquietudes da idade do amor, suspiravam no interior das camarinhas, nos fundos dos corredores onde algumas telhas de vidro deixavam que a lua salpicasse pequenas gotas de prata sobre o mosaico do chão!
Senhoras assustadas iam espreitar pelas frestas dos postigos, temendo por suas donzelas. Mateus tinha fama de mulherengo e agressivo, embora de fato, não o fosse. Nunca agredira ninguém.
Apaixonava-se, de vez em quando, por uma ou outra moça. Mas jamais agredira o objeto de sua paixão. Apenas, nas noites, cantava para ela. E que moça então, não suspiraria pelo amor desse solitário seresteiro da madrugada?
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