• Delator revela que o mensaleiro José Dirceu recebia propina e tinha um jato posto à sua disposição pelas empreiteiras envolvidas no escândalo.
Rodrigo Rangel e Alexandre Hisayasu - Veja
A parte de baixo do esquema de corrupção da Petrobras já foi integralmente desvendada. Em conluio com funcionários da estatal, um grupo que reúne as maiores empreiteiras do país superfaturava seus serviços e repassava o dinheiro desviado aos partidos aliados do governo — PT, PMDB e PP. Donos de construtoras, diretores corruptos e seus operadores estão presos e, em breve, receberão suas sentenças. A nova etapa da investigação mira a parte intermediária do esquema, os destinatários dos subornos, os alvos ensaboados que, por tradição, são quase sempre bem-sucedidos na arte de driblar a lei. Pegue-se o caso do ex-ministro José Dirceu. Ele foi condenado a sete anos e onze meses de prisão por liderar os petistas envolvidos no escândalo do mensalão, ficou preso 354 dias, ganhou o direito de cumprir o resto da pena em casa e o privilégio de continuar desfrutando os milhões de dólares e reais que faturou com suas múltiplas "consultorias".
Dirceu era o exemplo de como uma punição branda desperta a sensação de que o crime, para alguns, realmente compensa — ou, pelo menos, era. Na semana passada, a Justiça divulgou partes do depoimento prestado pelo doleiro Alberto Youssef. Se tudo o que ele disse for confirmado, o ex-ministro deverá considerar seriamente a possibilidade de, em breve, voltar à Papuda. Youssef contou que o mensaleiro era, ao lado de João Vaccari Neto, tesoureiro nacional do PT, destinatário das propinas do petrolão que cabiam ao partido. Na contabilidade do crime, de acordo com o delator, José Dirceu era o "Bob", codinome usado para identificar os repasses feitos diretamente ao ex-ministro. Bob é o mesmo apelido que Marcos Valério, o operador do mensalão, usava para se referir a Dirceu em suas conversas. Certamente uma coincidência.
Youssef também contou que o ex-ministro tinha ligação estreita com Julio Camargo, um dos intermediários da propina que era carreada dos contratos da Petrobras para o caixa dos partidos e o bolso de políticos. A proximidade entre os dois era tanta que o empresário deixava um jatinho executivo à disposição do ex-ministro. Aos investigadores, o doleiro relatou que a propina repassada a Dirceu era anotada nas planilhas que Julio Camargo fazia questão de deixar arquivadas, com o registro pormenorizado da corrupção. A parte que coube a Bob estaria contabilizada pelo empresário entre os 27 milhões de reais que foram destinados ao núcleo petista de 2005 a 2012. Youssef citou ainda o ex-ministro Antonio Palocci, coordenador da campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010, como outro elo entre o PT e Julio Camargo.
A presença do ex-ministro no caso Petrobras já havia sido captada no radar dos investigadores devido a outra estranha coincidência: as empreiteiras envolvidas tinham a JD Assessoria e Consultoria, a empresa de Dirceu, como cliente. São contratos milionários por serviços vagos ou inexistentes. Além das empreiteiras, o rol de clientes do ex-ministro inclui cervejaria, fabricante de remédios e até consultorias — sim, o consultor Dirceu, de tão competente que era, recebia pagamentos até de outras empresas com atuação no mesmo ramo que o dele. Há casos de clientes que, em um curto espaço de tempo, transferiram 4 milhões de reais para as contas da empresa. O auge do faturamento foi no ano eleitoral de 2010. O que será que um consultor — advogado que mal exerceu a profissão, político formado sob ideais anacrônicos de Fidel Castro e condenado por corrupção — pode oferecer de tão valioso às maiores empresas brasileiras?
A resposta vem justamente de um dos contratantes, o engenheiro Gerson Almada, presidente da Engevix, uma das empreiteiras envolvidas com os desvios na Petrobras. Preso há três meses, ele disse a pessoas próximas que a empresa sempre foi obrigada a pagar propina ao ex-ministro José Dirceu. Em troca dos contratos que firmou com a Petrobras e também para garantir a influência do ex-ministro nos contratos futuros. A Engevix é uma das construtoras que figuram na lista de clientes da JD Consultoria. Almada confirmou a esses interlocutores que as "consultorias" eram uma forma de lavar o dinheiro da propina paga ao petista. Antes de Almada, Ricardo Pessoa, o dono da UTC, outra empreiteira envolvida, já havia revelado que assinara um contrato milionário com a JD Consultoria a pedido de João Vaccari, o tesoureiro do PT. Ou seja, se o caso da Engevix e o da UTC não forem exceções, as múltiplas e milionárias consultorias do ex-ministro não passam mesmo daquilo que se imagina.
O ex-ministro José Dirceu negou que sua consultoria tenha servido a operações ilegais. A amigos, ele confidenciou que tem uma carteira de aproximadamente sessenta clientes, incluindo as maiores empresas brasileiras. Afirma ter recibos, notas fiscais e documentos para comprovar que sua atividade é totalmente lícita. Em nota divulgada por sua assessoria, ele negou ter recebido propina das empresas, disse que "nunca" representou o PT em negociações com o executivo da Toyo Setal Julio Camargo e ainda acusou o doleiro Alberto Youssef de mentir no processo de delação premiada. "As declarações são mentirosas. O próprio conteúdo da delação premiada confirma que Youssef não apresenta qualquer prova nem sabe explicar qual seria a suposta participação de Dirceu", registra a nota. Sobre o uso do jato particular de Julio Camargo, Dirceu afirmou que, "depois que deixou a chefia da Casa Civil, em 2005, sempre viajou em aviões de carreira ou por empresas de táxi aéreo". O mensaleiro só não revela o mistério que leva tanto empresários renomados quanto conhecidos trapaceiros a pagar até 4 milhões de reais por um serviço invisível.
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