• Obras paradas da Petrobras e economia estagnada mobilizam operários. ano será de enfrentamento
Cássia Almeida, Flávio Ilha e Roberta Scrivano – O Globo
RIO, PORTO ALEGRE e SÃO PAULO - O ano começou com os trabalhadores nas ruas, protestando contra salários atrasados, demissões em massa e corte de benefícios. Enfrentamento será a marca de 2015. A estagnação da economia que pode virar recessão, as obras paradas da Petrobras e a ameaça de racionamento de água e luz vão tornar mais difícil para o trabalhador brasileiro negociar com os patrões. E a rua será o campo de batalha.
- Vamos sentir saudades de 2014 - afirmou José Silvestre, coordenador de Relações Sindicais do Dieese, citando o ano que deve ter fechado com a economia estagnada, segundo projeções do mercado.
A mobilização dos operários ficou evidente na última semana. Centenas de trabalhadores do Comperj - que prometia transformar Itaboraí, no Leste Fluminense, no centro do dinamismo econômico da região, mas que hoje convive com o desemprego - fecharam a Ponte Rio-Niterói por duas horas na terça-feira. Eles podem responder na Justiça pelo protesto, que deu um nó no trânsito, restringiu o direito de ir e vir dos moradores da metrópole e impediu até a passagem de ambulâncias.
A milhares de quilômetros, em Rio Grande, no Rio Grande do Sul, metalúrgicos de estaleiros da região fecharam ruas e estradas, na quinta-feira, para protestar contra a redução nas encomendas.
- Estamos acumulando salários atrasados desde dezembro. A dívida está em mais de R$ 25 milhões com 2.969 trabalhadores - disse Marcos Hartung, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Montagem e Manutenção de Itaboraí (Sintramon).
- Já fizemos atos contra atrasos nos salários, contra as más condições de trabalho e da alimentação, contra as demissões. Nada resolveu. Agora, queremos salvar o polo, que disseram que iria durar 30 anos. Pelo visto, não vai chegar a dez - disse Benito Gonçalves, presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de Rio Grande e São José do Norte, que comandou o protesto.
Cenário difícil para reajustes
A luta por salários melhores não vai cessar diante da situação do país, segundo o presidente da CUT, Vagner Freitas:
- Sempre que não há desenvolvimento do país, os patrões dizem que não há como dar aumento. Vamos para o enfrentamento. Eles não contam o lucro que acumularam. Vamos para greve, na busca de ganhos reais. A campanha salarial vai exigir mais da categoria sindical. Os trabalhadores têm que defender seus direitos. Demitiu, parou. Tirou direito, parou.
Em São Paulo, são os metalúrgicos do ABC que se mobilizam para manter os empregos e ganhos reais de renda. Já tiveram vitórias. Depois de pôr mais de dez mil na Via Anchieta, fechando-a nos dois sentidos, em meados de janeiro, conseguiram suspender as 800 demissões em fábricas da Volks e da Mercedes-Benz. A data-base da categoria é no segundo semestre, o que dá fôlego para aguardar que a economia reaja.
- O governo só tem dado notícia ruim. Não há contrapartida às medidas restritivas, como uma política industrial de incentivo. Dessa maneira, não há como o empresário recuperar sua confiança. E, se o patrão não tem confiança no futuro, vai dificultar a vida do trabalhador. O ano será difícil - afirmou Miguel Torres, presidente da Força Sindical.
No Sul, manifestações mensais
Silvestre, do Dieese, também vê um ano difícil para os trabalhadores conseguirem ganhos reais. A parcela de acordos com aumentos acima da inflação deve cair em relação a 2014, e o próprio reajuste deve diminuir. A inflação alta dificulta o cenário:
- Os dados preliminares mostram que 2014 foi melhor que 2013 para os salários. Isso não deve se repetir este ano, e esperamos aumento da taxa de desemprego.
Os protestos nas ruas mobilizaram produtores rurais, metalúrgicos e até autoridades das cidades que formam o núcleo do setor sucroalcooleiro em São Paulo, nas estradas próximas a Sertãozinho, no fim do mês passado. A Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Estado de São Paulo (Fetiasp) lista 15 mil demissões em 2014.
- Negociar com setor quebrado é tarefa muitíssimo complicada. O castigo nós já tivemos, que são as demissões. Agora, não vamos abrir mão do reajuste real - disse Melquíades Araújo, presidente da Fetiasp.
Só em Sertãozinho, a quase 400 km da capital, estão 8 mil desses demitidos. Antonio Vítor, presidente do sindicato da região, afirma que viu o município ruir:
- Éramos considerados a Califórnia brasileira. Hoje, somos no máximo a Etiópia. Estamos jogados às traças.
Em Rio Grande (RS), as manifestações se multiplicaram ao longo do ano passado e no início deste, com pelo menos uma paralisação por mês. Agora, o apelo é pela manutenção dos empregos. Em meados de 2013, a região chegou a reunir 24 mil operários em três estaleiros, segundo o sindicato dos metalúrgicos local. Atualmente, são menos de 7 mil. E, segundo com Gonçalves, presidente da entidade, só não há mais demissões porque as empresas não têm como pagar as rescisões.
As quatro empresas que gerenciam os estaleiros das duas cidades da região são investigadas pela Polícia Federal. O caso mais delicado é o da Engevix, que comanda o Estaleiro Rio Grande e tem contrato de US$ 6,5 bilhões para construir oito cascos de plataformas e três navios-sonda. Segundo a Petrobras, os cascos para construção das plataformas devem chegar a Rio Grande no segundo semestre ou no início de 2016. As duas plataformas poderiam empregar de 5 mil a 8 mil trabalhadores. A Engevix garante que não há parada: uma plataforma foi entregue em 2014, duas estão quase terminadas e uma terceira começa a ser construída em março.
Sobre os trabalhadores do Comperj, a Alumini, empregadora, afirmou em nota que a solução "está nas mãos da Petrobras, que rompeu o contrato unilateralmente". E disse que tem a receber da estatal R$ 1,2 bilhão em aditivos contratuais e que "vem negociando com fornecedores para manter plano de saúde e cestas básicas". A Petrobras não se pronunciou.
O que ainda vem por aí
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) já tem duas manifestações programadas para este mês e para março. No dia 24 fevereiro, CUT e Federação Única dos Petroleiros (FUP) preparam manifestação na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) em defesa da Petrobras e "contra os interesses privatistas", afirmou o presidente da CUT, Vagner Freitas.
No dia 13 de março, o protesto vai para as ruas de São Paulo, unindo também movimentos sociais, contra a falta de água no estado, pela Petrobras, contra o corte de benefícios sociais promovido pelo governo federal para equilibrar as contas públicas e contra a ofensiva da direita. E as centrais sindicais ainda preparam a IX Marcha dos trabalhadores a Brasília em data ainda a ser definida.
Contra o corte de benefícios anunciado pelo governo no fim do ano passado, as centrais sindicais se uniram e protestaram na Avenida Paulista no dia 28 de janeiro.
- Não se pode fazer ajuste fiscal em cima dos direitos dos trabalhadores - afirmou Freitas. (Cássia Almeida)
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