• Alemanha quer rendição incondicional da esquerda grega; o impensável pode acontecer
- Folha de S. Paulo
A disputa entre Alemanha e Grécia degringolou para o vale-tudo, tudo ou nada, duelo que pode ser decidido mesmo hoje ou em uma semana. Parece um assunto tão longe, de nós distante, mas trata-se de história.
Trata-se de história andando rápido: de redefinições importantes do futuro da Europa, do que podem fazer democracias diante de dívidas impagáveis. Trata-se do destino das forças políticas europeias que se insurgem contra o establishment social-democrata/conservador que empurra com a barriga uma crise criada também pelo poder desmedido da finança, a qual saiu quase incólume do rolo irresponsável que ajudou a provocar, apadrinhada e salva pela socialização da dívida grega (que é hoje 80% de governos).
O governo do partido da nova esquerda grega, o Syriza, quer denunciar o acordo que socorreu o governo grego falido em 2010 em troca de um programa de arrocho, reformas liberalizantes e, enfim, reformas necessárias da decrépita economia grega. Essa fase do programa vence no dia 28.
Até terça-feira (17), o governo grego ainda tentava impor alguma mudança substantiva do programa, rejeitada por Alemanha e cia. Ontem, jogou a toalha. Em troca da extensão temporária dos empréstimos que mantêm em dia os pagamentos da Grécia e, por tabela, mantêm vivos os bancos do país, pedia apenas a possibilidade futura de renegociar o acordo, em especial o arrocho de gastos públicos.
Mas a Alemanha quer rendição incondicional do Syriza, que já não tinha praticamente nada para dizer em casa: foi eleito com a proposta de acabar com o acordo com a União Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, com a ocupação econômica. Não está levando nem promessa disso.
A economia grega encolheu 25% desde 2008. Passa por um dos maiores arrochos salariais da história moderna. O desemprego é de 25%. A demanda doméstica caiu um terço desde 2008.
Os alemães até ontem exigiam dos gregos um pedido de extensão do "socorro" em que constasse apenas o compromisso de pagamento da dívida impagável, de não rever as reformas econômicas e de manter um superavit primário inviável.
A Alemanha e o establishment político europeu querem assim: 1) Baixar a repressão, um projeto de Europa conduzido pela burocracia da UE e pela finança, de rigor fiscal e liberalização maior; 2) Desestimular recalcitrantes, países ou partidos que se "assanhariam" com concessões à Grécia; 3) Não fomentar a oposição em casa, tanto de partidos "antiausteridade" quanto antieuropeus (que não querem financiar os "vagabundos" da Europa do Sul).
O que pode acontecer? 1) O novo governo grego se render, sem mais. O Syriza seria desmoralizado; 2) Não sair acordo. A Grécia dá o calote. Talvez pudesse se manter sem dinheiro externo, mas ficaria ainda na pindaíba e não teria como cumprir seu programa "social", mas: 3) Com o calote, o Banco Central Europeu deve cortar as linhas de crédito que mantêm vivos os bancos gregos.
A fim de evitar o colapso da sua banca e um colapso ainda maior da economia, o governo teria de "criar", "imprimir" dinheiro: teria de sair do euro, voltar à dracma. Isto é, teria de enfrentar outros anos de recessão, entre outros muitos problemas complexos e graves da transição.
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