• Entrevista - Júlio Aurélio Vianna Lopes (Cientista social da Fundação Casa de Rui Barbosa)
Na esteira da aprovação do Orçamento Impositivo, no Congresso Nacional, o pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, Júlio Aurélio Vianna Lopes, analisou o novo ritmo que os parlamentares, liderados pelos presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Renan Calheiros (PMDB-AL), tentam imprimir ao Executivo. O cientista social afirmou que os próximos passos (destrancamento da pauta do Legislativo por conta de vetos presidenciais, convocação de ministros e o voto distrital, que pode surgir com a reforma política) fazem parte de um projeto de poder do PMDB e estão reconfigurando o atual sistema político brasileiro.
Eduardo Miranda –Brasil Econômico
Qual é a análise política que o sr. faz da aprovação do Orçamento Impositivo no Congresso?
Há um movimento de fortalecimento do Parlamento brasileiro. O espaço político do orçamento era basicamente do Executivo. Agora, o legislador passa a ser também executivo. Há uma mudança em curso: a do presidencialismo de coalizão, termo do cientista político Sérgio Abranches, que define a cooptação do Legislativo pelo Executivo, para o presidencialismo semiparlamentar. Essa cooptação não é da vontade da presidenta Dilma. Ela é assim, é natural, e existe desde o governo de Fernando Collor de Mello.
Há um avanço do Congresso sobre as funções do Executivo?
Há, sim, uma extrapolação do parlamento no espaço do Executivo. É uma tentativa de impor o ritmo de trabalho ao Executivo. E isso vai além do momento atual. É uma mudança radical, equivalente à chegada de Lula ao poder, quando, por receio da margem absoluta de manobra que ele teria com medidas provisórias, o Congresso agiu para moderar esse poder. Mas esse presidencialismo semiparlamentar não é uma novidade, ele já estava em gestação desde a configuração do sistema de governo de 1988. Ocorre que só agora ele começa a nascer.
E porque só agora?
Durante os dois anos da Assembleia Nacional Constituinte, o presidencialismo parlamentarizado avançou muito e parecia que ia ganhar. Mas apareceu a emenda do senador Humberto Lucena (PMDB), já articulada com todos os presidencialismos que existiam. Ainda assim, o presidencialismo que venceu não foi o puro, foi o semiparlamentar. O que ocorre é que quem fez o "acabamento" do presidencialismo foram os próprios presidencialistas. Os parlamentaristas saíram do debate. E chegamos a um presidencialismo hegemônico, mais imperativo.
Quais são as variações desses sistemas no mundo?
A maioria dos países europeus faz uma mistura dos dois sistemas, com uma dose maior para o parlamentarismo. Os dois são variações da proposta dos três poderes, formulada por Montesquieu. A França foi a que mais avançou no parlamentarismo semipresidencial. O presidencialismo puro é invenção dos norte-americanos. Obama sequer pode enviar um projeto de lei. A América Latina é presidencialista, com interferências no parlamento, em que um presidente emite medidas provisórias.
Há desdobramentos políticos do Orçamento Impositivo?
O tópico sobre o voto distrital, na reforma política, que é mais uma reforma eleitoral, é talvez o principal. Mas não se trata de um desdobramento. Eu diria que o orçamento agasalha a lógica do voto distrital. O parlamentar que vai manejar um orçamento impositivo — que será de R$ 10 bilhões neste ano — trabalha na lógica distrital, porque a orientação do voto do eleitor tende a ser pelo candidato da sua região, embora juridicamente o voto ainda não seja distrital. É condizente que, depois do Orçamento Impositivo ao Executivo, o próximo passo seja o voto distrital.
Que outras medidas sinalizam para o avanço do Legislativo?
O presidente do Senado, Renan Calheiros, quer reformar o Regimento Interno do Congresso, com o objetivo de estabelecer regimes diferenciados para vetos presidenciais e para destrancar a pauta no Congresso. É mais uma forma de limitar a entrada do Executivo no Parlamento. Temos, também, a iniciativa de sistematizar as convocações de ministros para falarem na Câmara. Isso está na nossa Constituição, mas não têm seu uso disseminado. Um parlamento pode derrubar um ministro se ele é convocado e não comparece.
Qual é o papel do PMDB nessas medidas?
Embora se destaque Eduardo Cunha como avesso ao governo e Renan afinado, existe, nas duas casas, um projeto de poder do PMDB para assumir o controle do Legislativo e construir alternativas para 2018. Há uma fraqueza na Presidência da República, decorrente da vitória apertada de Dilma. Não haverá impeachment, mas ela está acuada. Por consequência, o Congresso está ousando mais diante de uma maior necessidade de apoio da presidenta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário