- Folha de S. Paulo
A democracia nunca funcionou tão bem no Brasil. Pela primeira vez desde Floriano Peixoto, o Senado sabatinou para valer um indicado ao STF. Projetos apresentados pelo governo estão sendo discutidos nos detalhes, negociados e eventualmente alterados (não entro aqui no mérito das modificações aprovadas). Mais do que isso, o Parlamento bloqueou tentativa de Dilma Rousseff de legislar por decreto, rejeitando uma MP por não apresentar as exigências constitucionais de relevância e urgência. Há em operação várias CPIs que incomodam a Presidência.
Esse seria um cenário róseo em termos institucionais, não fosse o fato de que as coisas só estão funcionando por uma conjunção de fatores que tem muito mais de farsa que de epopeia. Dilma venceu o pleito recorrendo a mentiras que logo cobraram seu preço. Os eleitores perceberam o engodo e a popularidade da presidente despencou, resultando num governo anormalmente fraco.
Mais decisivo, os dois presidentes do Legislativo, o deputado Eduardo Cunha e o senador Renan Calheiros, tiveram seus nomes incluídos nas investigações da Lava Jato. Reagiram a isso partindo para o ataque e estão se dando bem, porque encontraram um governo politicamente derrubado, uma base aliada sempre disposta a arrancar cargos e verbas e uma oposição afoita para criar o máximo de dificuldades para Dilma Rousseff.
Vale perguntar-se se ações políticas só são legítimas se realizadas pelas razões certas (pelo sentido do dever, se é lícito usar o vocabulário kantiano) ou se podem também sê-las mesmo que motivadas por instintos, digamos, mais primitivos. Obviamente, eu gostaria que o primeiro cenário predominasse sempre, mas não desprezaria avanços institucionais alcançados de forma não tão recomendável. A crer em Aristóteles, é possível tornar-se virtuoso apenas habituando-se a fazer a coisa certa, independentemente das motivações.
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