Cláudia Trevisan, Altamiro Silva Jr. – O Estado de S. Paulo
• Fogo cruzado. Presidente compara empreiteiro Ricardo Pessoa a traidor da Inconfidência Mineira e diz "não respeitar" acusações dele, que afirma ter repassado R$ 7,5 milhões à campanha da petista em 2014; para Aécio, ela está "zombando da inteligência dos brasileiros"
NOVA YORK - Com referências à Inconfidência Mineira e a seu passado de presa política, a presidente Dilma Rousseff atacou ontem o dono da empreiteira UTC, Ricardo Pessoa, e disse que as contribuições da empresa a sua campanha de reeleição foram realizadas de maneira legal. "Eu não respeito delator. Até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é que é. Tentaram me transformar em uma delatora", disse a presidente em Nova York, em suas primeiras declarações públicas desde a divulgação da delação premiada de Pessoa, na sexta-feira.
Conforme revelou o Estadão. com.br na sexta-feira, Pessoa diz ter repassado, via caixa dois, R$ 3,6 milhões aos ex-tesoureiros petistas José de Filippi, responsável pelas contas da campanha de Dilma em 2010, e João Vaccari Neto entre 2010 e 2014. Segundo a revista Veja, o total de repasses à campanha de Dilma Rousseff em 2014 foi de R$ 7,5 milhões. Dilma ressaltou que a empresa. também fez doações a seu adversário no 2° turno da eleição presidencial, Aécio Neves (PSDB), em valores semelhantes aos recebidos por sua campanha.
"Eu não aceito e jamais aceitarei que insinuem sobre mim ou minha campanha qualquer irregularidade. Primeiro porque não houve. Segundo, se insinuam, alguns têm interesses políticos", afirmou, em um tom enfático. A presidente disse ainda que nunca se encontrou com Ricardo Pessoa. Outro motivo apresentado pela presidente para refutar as acusações foi o fato de ser mineira e ter crescido com lições sobre a Inconfidência.
"E há um personagem que a gente não gosta, porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. E ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator. Eu não respeito delator", disse, mencionando o traidor do movimento dos inconfidentes mineiros. A presidente lembrou o período em que ficou presa, durante a ditadura militar, e foi submetida à tortura para entregar seus companheiros. "E eu garanto para vocês que eu resisti bravamente."
Apesar das críticas, Dilma afirmou que a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal devem investigar as denúncias. "Tudo, sem exceção." Ela disse que tomará medidas contra Pessoa caso ele faça acusações contra ela. Quanto aos ministros mencionados na delação, Edinho Silva (Comunicação) e Aloizio Mercadante (Casa Civil), a presidente afirmou que cabe a eles decidir o que fazer em relação a Pessoa.
Reação. O senador Aécio Neves, presidente nacional do PSDB, ironizou as declarações da presidente Dilma Rousseff. "As novas declarações da presidente Dilma Rousseff atestam o que muitos já vêm percebendo há algum tempo: a presidente ou não está raciocinando adequadamente ou acredita que pode continuar a zombar da inteligência dos brasileiros." Segundo ele, as doações recebidas da UTC foram legais e declaradas à Justiça. O nome de Aécio não aparece na delação de Pessoa.
Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça da gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso (1995- 2002) , afirmou que a delação existe no Brasil desde 1990 e que "a própria presidente en-iou o projeto de lei que prevê a figura da delação no pacote anti-corrupção que está no Congresso". Ele também comentou a comparação com os delatores da ditadura: "Querem transformar os executivos e políticos presos (na Operação Lava Jato) em presos políticos".
O jurista Dalmo de Abreu Dallari disse que as informações prestadas por um delator não têm o mesmo peso que uma confissão ou depoimento comum. "Em princípio (a delação) tem um valor menor porque depende de provas que a confirmem."
Dilma e a Lava-Jato
"Suor e lágrimas" - Em abril de 2014, ao falar pela 1ª. vez da Lava Jato, Dilma defendeu a investigação, mas acusou a oposição de agir contra interesses nacionais. "Não deixarei de combater qualquer tipo de ação criminosa, mas não ouvirei calada a campanha dos que, por proveito político, ferem a imagem da empresa que nosso povo construiu com tanto suor e lágrimas."
Sangria estancada" - Ao participar da série "Entrevistas Estadão", no Alvorada, em setembro de 2014, a presidente afirmou que não tinha "a menor ideia" de malfeitos na Petrobrás, mas admitiu a possibilidade de ter havido corrupção. "Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, posso te garantir que todas as sangrias que pudessem existir estão estancadas."
"Factoídes" - Em campanha à reeleição, a presidente chamou de "factoides" as suspeitas envolvendo a Petrobrás e sugeriu que o ambiente estaria influenciando as denúncias contra a estatal. "Misturar eleição com a maior empresa de petróleo do País não é correto", disse a petista em agosto, cinco meses após a deflagração da operação da Polícia Federal.
Mudança "para sempre" Ao comentar a prisão de empreiteiros na Lava Jato, em novembro de 2014, a presidente desta-ou o caráter histórico da ação. "Eu acho que isso (Lava Jato) pode, de fato, mudar o País para sempre. Pode mudar no sentido de que vai se acabar com a impunidade." Na mesma época, a um jornal chileno, Dilma afirmou que "no Brasil não há intocáveis".
Pessoas x instituições - Em agosto do ano passado, após o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa decidir fazer delação premiada, Dilma disse que "não se pode confundir pessoas com instituições". "A Petrobrás está acima disso. Eu não tenho o que comentar sobre a decisão de uma pessoa presa fazer ou não delação, isso não é objeto do interesse da Presidência."
"Volta por cima" - Neste ano, Dilma reforçou o discurso de que a corrupção passou a ser investigada apenas em seu governo e que, antes, era ignorada. Em abril, afirmou que a Petrobrás "está de pé" e "limpou o que tinha de limpar". A um canal francês, em junho, declarou: "Lutarei até o fim para demonstrar que não estou ligada (ao esquema de corrupção na estatal"
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