- Folha de S. Paulo
• Sistema de poder europeu não é capaz de digerir alternativas de esquerda nem de sair da crise
Quando a esquerda grega venceu a eleição, em janeiro, era razoável deduzir que estava aceso o pavio curto de uma explosão. Era difícil imaginar uma história que não terminasse em desmoralização do Syriza ou na retirada da Grécia da zona do euro. Ontem, parecia esse mesmo o fim da história.
O primeiro-ministro grego dizia que não vai governar sob "austerity in perpetuity" (como traduziam as agências de notícias: austeridade perpétua). Caso os gregos votem "sim" no referendo de domingo, Alexis Tsipras diz que se vai: "Se os gregos querem um primeiro-ministro humilhado, há um monte deles por aí. Não serei eu". As autoridades europeias diziam que a vitória do "não" era o fim da picada do país no euro.
Na prática, os gregos votam se aceitam ou não os termos do programa econômico sem o qual o governo da Grécia não terá fundos para pagar suas despesas, externas ou domésticas. Tal plano nem ao menos foi fechado, dada a interrupção das conversas, mas é uma variante com 5% de desconto daquilo que vem sendo engolido pelos gregos desde 2012, pelo menos, corte de gastos públicos, aumento de impostos e reformas ditas "liberais". O comum dos gregos não vai saber no que está votando, mas vai decidir se vai apanhar de um modo ou outro, na eurozona ou fora dela.
Dado o sistema de poder que sustenta a eurozona, era praticamente impossível que o establishment europeu aceitasse os termos do Syriza (perdão de dívida, menos arrocho, menos "reformas"). Haveria revoltas em países pobres que comeram esse pão amargo: Portugal, Espanha, talvez Irlanda. A vitória do Syriza animaria esquerdas, pelo menos na Europa do "Sul", e partidos anti-Europa na Europa do "Norte", em especial de direita braba. Colocaria os governos de centro (esquerda ou direita) da Europa inteira em maus lençóis, pois "um outro mundo" pareceria possível. Obrigaria a Alemanha aceitar uma política econômica que sempre rejeitou, a abrir mãos de princípios que impôs desde que aceitou a criação da eurozona (em resumo grosso, política macroeconômica ortodoxa e sob seu controle, na prática).
Talvez a política e a manha chata dos gregos do Syriza inventassem uma solução intermediária. No sábado, quase se chegou a um acordo ruim, mas um acordo, que poderia ser revisto em novembro, com exigências menos malucas (ainda malucas) de superavit primário, sem cortes (por ora) adicionais de salários e aposentadorias. Ao que parece, segundo os gregos, o Syriza "rachou", e o caldo entornou.
A Grécia está por um fio, pelo tubo de transfusão de sangue fornecido pelo Banco Central Europeu (BCE), o que mantém vivos os quebrados bancos gregos. Sem os euros do BCE, a banca grega quebra assim que reabrir, com o que se evapora a economia grega --o governo não tem euros para tapar o abismo do buraco bancário. Para que não seja assim, para que sobrevenha apenas tumulto grave, a Grécia terá de adotar e criar um dinheiro novo, conviva ou não com o euro. De um modo ou outro, haverá inflação e a baderna da desconfiança, da quebra de contratos e da incerteza jurídica geral, da fuga ilegal de capitais e moeda forte (pois haverá controles oficiais), afora o colapso final da confiança. Pode passar, ser administrado, mais vai ser ruim, muito ruim.
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