'Não respeito delator'
• Em NY, Dilma compara delação de empreiteiro com as da ditadura e a do traidor da Inconfidência
Isabel de Luca – O Globo
NOVA YORK - Depois de passar dois dias evitando a imprensa, a presidente Dilma Rousseff interrompeu a agenda positiva que o governo brasileiro tenta vender na visita aos Estados Unidos para reagir, pela primeira vez, ao depoimento do dono das construtoras UTC e Constran, Ricardo Pessoa, em delação premiada na Operação Lava-Jato. Em breve conversa com jornalistas, em Nova York, Dilma tentou desqualificar o depoimento do empresário e afirmou que a doação de US$ 7,5 milhões para sua campanha foi legal. A presidente prometeu tomar providências se for acusada, e defendeu que a Justiça investigue as denúncias.
- Eu não respeito delator. Até porque eu estive presa na ditadura e sei o que é. Tentaram me transformar numa delatora. A ditadura fazia isso com as pessoas presas - disse Dilma.
Dilma disse que aprendeu a não gostar de delatores nas aulas de História:
- Em Minas (Gerais), na escola, quando você aprende sobre a Inconfidência Mineira, tem um personagem de quem a gente não gosta porque as professoras nos ensinam a não gostar dele. Ele se chama Joaquim Silvério dos Reis, o delator.
Ela frisou que a UTC também financiou a campanha do tucano Aécio Neves, argumentando que seu adversário no segundo turno em 2014 recebeu da empresa doações "com uma diferença muito pequena de valores".
- Eu estou falando do Aécio Neves, só teve um candidato que concorreu comigo. Estou falando do segundo turno. Isso ocorreu no segundo turno - disse a presidente. - Não aceito e jamais aceitarei que insinuem sobre mim ou a minha campanha qualquer irregularidade. Primeiro porque não houve. Segundo porque, se insinuam, alguns têm interesses políticos.
Apesar das críticas a delatores, a presidente se disse favorável às investigações:
- A Justiça tem que pegar tudo o que ele (Pessoa) disse e investigar, tudo, sem exceção. A Justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal.
Quando a perguntaram se pretende tomar alguma providência, ela foi categórica:
- Se ele falar sobre mim, eu tomo.
Aécio Neves reagiu às declarações de Dilma. Em nota, disse que Dilma "ou não está raciocinando adequadamente ou acredita que pode continuar a zombar da inteligência dos brasileiros". E continuou: "A presidente chega ao acinte de comparar uma delação feita dentro das regras de uma sistema democrático, para denunciar criminosos que assaltaram os cofres públicos e os recursos pertencentes, com a pressão que ela sofreu durante a ditadura para delatar seus companheiros de luta pela democracia. Não será com a velha tentativa de comparar o incomparável que a senhora presidente vai minimizar sua responsabilidade em relação a tudo o que tem vindo à tona na Operação Lava-Jato".
Dilma deu entrevista durante visita que marca a retomada das relações com os Estados Unidos após o episódio das espionagens da americana NSA. A divulgação da delação premiada de Pessoa, apontado como chefe do "cartel das empreiteiras", mudou a viagem da presidente, que convocou duas reuniões emergenciais com seus principais interlocutores no governo, a última delas atrasando o embarque da comitiva oficial, sábado de manhã.
Além disso, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante - cuja campanha ao governo de São Paulo em 2010 é citada no depoimento -, cancelou a ida aos EUA para prestar esclarecimentos sobre o vazamento que agravou a crise política no governo. O empreiteiro revelou que boa parte dos recursos repassados a políticos é proveniente de transações com a Petrobras.
Sobre as referências do delator a Mercadante e ao ministro Edinho Silva, da Secretaria de Comunicação Social, que foi tesoureiro da campanha da presidente em 2014, Dilma disse que vai "avaliar com cada ministro, porque é foro deles".
Em Nova York, a presidente passou o dia cortejando a direita americana em nome da retomada da credibilidade do Brasil. Encontrou-se com Rupert Murdoch, na sede do "Wall Street Journal", jornal considerado conservador. Em seguida, recebeu no Hotel St. Regis, onde estava hospedada, investidores do mercado financeiro e empresários de gigantes como General Motors (GM), General Electric (GE) e Walmart. Antes de partir para o seminário promovido pelo governo em outro hotel de Manhattan, Dilma esteve ainda com o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger.
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