- O Globo
A Grécia deu um passo em direção ao vazio e viveu ontem um dia terrível para a população. Feriados bancários produzem medo e desorganizam a vida. O primeiro-ministro, Alexis Tsipras, está, pelo menos, sendo coerente com o que defendeu na campanha, ao rejeitar a austeridade, mas jogou o país na incerteza. E avisou que se o "sim" vencer ele respeitará, mas não implementará as medidas.
Hoje não haverá pagamento da parcela ao FMI, foi o que o governo grego adiantou ontem ao jornal "Financial Times". Confirma-se assim o cenário que se desenhou desde que, na sexta-feira, de forma inesperada, a Grécia saiu da mesa de negociação e convocou um plebiscito. Que o governo do partido Syriza queria o confronto ficou claro nos pequenos detalhes: ele não avisou seus próprios negociadores na Bélgica que estava convocando um referendo para o próximo domingo. Eles souberam pelo Twitter . Em uma semana, os gregos terão que decidir se aceitam a proposta feita pelo Europa, para um novo pacote de socorro. Na cédula de votação, o "não" aparece antes do "sim ", e o governo defendeu abertamente que os gregos votem não. O texto, de 72 palavras, não faz referência à permanência na zona do euro, embora a vitória do "não" coloque as duas pernas da Grécia para o lado de fora da união monetária.
Não haverá tempo para um debate profundo no país sobre o que essa votação significa. E Tsipras, ao fim do dia, radicalizou mais ainda quando, em uma entrevista à rede local, avisou que se o "sim " vencer ele não vai implementar , indicando dissolução do gabinete e formação de novo governo. A Grécia é um país pequeno de 11 milhões de habitantes , que representa 0,3% da economia global, pelo conceito de poder de paridade de compra. Tem o mesmo porte de países como Peru e Romênia, na comparação feita pelo economista Andrew Kenningham, da consultoria Capital Economics. Para o Brasil, o país não tem qualquer relevância econômica. A corrente de comércio do Brasil com os gregos foi de apenas US$ 208 milhões no ano passado, com um superávit de US$ 68 milhões ao Brasil. O café representa 42% de tudo que exportamos aos gregos, seguido pelo fumo , com 14%.
Barcos de cruzeiro, cimento e mármore foram os produtos que mais importamos da Grécia. Do ponto de vista comercial, a crise grega não é um problema grave para o Brasil. Por que, então , toda a preocupação no mundo, e aqui, com o desfecho do drama vivido pelos gregos? Ontem, os mercados reagiram fortemente e deram alguns sinais, como, por exemplo, a queda dos títulos dos países menores da Europa, como Portugal, e também dos maior es e endividados, como a Itália. Este sinal é o ponto-chave. O que se teme na Grécia é o contágio. Se o país sair , os outros países que têm alta dívida serão olhados com a certeza de que a zona do euro não paga qualquer preço para manter a unidade. Isso aumenta a instabilidade global. Em momentos assim, países com maiores vulnerabilidades acabam sendo atingidos, mesmo que nada tenham a ver com a história.
O capital, que é medroso, corre para o porto seguro dos títulos do governo americano. E este é um momento em que o porto está mais seguro porque a economia dos Estados Unidos está em recuperação e em breve vai elevar os juros, pagando mais aos investidores. A exposição de bancos privados à dívida grega, que chegou a passar de US$ 250 bilhões em 2008, hoje está em cerca de US$ 50 bilhões. Cerca de 80% dos títulos estão com organismos institucionais, como o FMI e o Banco Central Europeu. Isso limita a intensidade do contágio na economia mundial, mas não afasta o risco de turbulência . Seria muito pior se tivesse ocorrido no primeiro momento .
Mas a saída do país do bloco, caso aconteça, ainda é um evento de consequências imprevisíveis, porque não tem precedente histórico. Seria a primeira vez que um país sai de uma união monetária e volta para a sua antiga moeda. Os dois lados da mesa podem dizer que fizeram concessões. A Grécia seguiu um receituário amargo, impôs um forte sacrifício à população, corrigiu erros enormes e enfrenta recessão há tempo demais e desemprego alto demais. Os credores deram abatimento na dívida, e tanto o FMI quanto o Banco Central Europeu concederam grandes empréstimos ao país nos últimos anos. Serão dias difíceis para os gregos e incertos para a economia mundial.
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