- O Estado de S. Paulo
Na mesma semana, o Brasil assistiu à Marcha para Jesus, que reuniu 340 mil pessoas em São Paulo, e a uma discussão feroz na internet sobre a campanha do Boticário, tratando o Dia dos Namorados como o dia de duas pessoas que se amam, independentemente do sexo. São as “forças vivas da Nação” discutindo a sociedade e o futuro, para além das crises na política, na economia e na ética.
Com a presidente da República amargando um recorde negativo de popularidade, os governos estaduais na maior pindaíba e os partidos abaixo de qualquer crítica, nada mais natural que os movimentos religiosos ocupem mais e mais o espaço político. Na chamada “maior Nação católica do mundo”, quem avança são os evangélicos.
Simultaneamente, surpreende a agressividade nas redes sociais contra a peça publicitária que mostra com delicadeza o amor de duas moças ou de dois rapazes, o que foge ao padrão, mas está perfeitamente de acordo com os nossos tempos, em que as pessoas têm o direito de serem felizes como julgarem melhor. Por que esses encontros de amor geram tanta aflição, até ódio?
É nesse contexto, de fortalecimento dos movimentos religiosos e de intenso debate sobre costumes e avanços da sociedade, que a história brasileira encontra na presidência da Câmara justamente um evangélico. E não é um deputado qualquer, é Eduardo Cunha, um dos mais fortes líderes parlamentares das últimas décadas. Este tem rebanho.
Somando-se tudo, tem-se o ambiente em que será votada, a partir desta segunda-feira, e logo, a Emenda Constitucional que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Com o perigoso ingrediente das pesquisas, pelas quais a população brasileira é amplamente a favor. Exaustos com a violência assassina e cotidiana, os brasileiros acham que encontraram a solução: jogar adolescentes nas cadeias mais horrendas, ou “medievais”, como já disse o próprio ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Vamos com calma, gente! De fato, assim como a realidade evolui para a aceitação e oficialização da união de pessoas do mesmo sexo, também conduz à consciência de que não dá mais para assistir passivamente que criminosos de alta periculosidade estejam sujeitos a apenas três anos de reclusão, ou “apreensão”. É preciso que a lei, nos dois casos, siga ao ritmo da vida, da sociedade.
Mas... só reduzir a maioridade penal e tratar jovens de 16 e 17 anos como bandidos adultos e comuns não resolve nada. Só atende à sede de vingança contra o sistema e só caracteriza um linchamento de meninos e meninas pobres, negros, de guetos, já tão maltratados pelo Estado e pela Nação. Como se eles fossem culpados pelas aviltantes desigualdade, educação, saúde. Até pela Petrobrás.
Não dá para simplesmente reduzir a idade penal e lavar as mãos. Como não dá para simplesmente ignorar que há menores de alta periculosidade que precisam de uma punição diferenciada. Por isso, o ideal é que o foco não seja a idade do autor, mas o grau de gravidade do crime.
A proposta do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) atende a esse meio termo: a idade penal continuaria sendo de 18 anos, mas com a possibilidade de punições excepcionais para crimes hediondos ou reincidência de crimes graves. O promotor pediria a excepcionalidade, haveria uma análise cuidadosa e o juiz da Vara de Infância e Juventude decidiria o julgamento pelo Código Penal, não pelo ECA. Condenado, o criminoso menor de 18 anos não seria jogado numa cela comum, mas em unidades especiais.
O que não pode é, diante dos escândalos e da criminalidade, o País dar uma cambalhota mortal e cair na velha “direita” e no conservadorismo comportamental e legal. A irritação generalizada faz sentido e todos queremos mudanças, mas o País não pode retroceder e se tornar ainda menos justo, menos generoso. Seria o objetivo oposto pelo qual tanto e tantos lutamos.
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